segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O inferno no paraíso

Ao custo de 30 milhões de euros, Juan Antonio Bayona recria o tsunami que devastou 14 países da Ásia em 2004

Após a auspiciosa estreia em "O Orfanato" (2007, ganhador de 33 prêmios), um vigoroso thriller que conciliou o drama e o horror, o espanhol Juan Antonio Bayona confirma o seu talento em outro filme com as mesmas conotações. Em "O Impossível" ele substitui um casarão transformado em orfanato e ocupado por espíritos de crianças por um paraíso invadido por um tsunami com ondas de 10 metros de altura que tirou a vida de milhares mil pessoas.

O filme foca nos enormes esforços do personagem de Ewan McGregor em salvar a família do tsunami

No entanto, seria injustiça creditar exclusivamente ao diretor a qualidade dos dois filmes, quando em ambos ressalta-se o trabalho de Sergio G. Sanchez na elaboração dos respectivos roteiros. Ambos minuciosos, detalhistas e insinuantes.

Desde que Tucidides (460-400 a.C), o historiador grego, observou um tsunami e concluiu que são crias de explosões submarinas, essas ondas gigantescas vêm chamando a atenção do homem por seu poder devastador - e países como Portugal (Sismo de Lisboa, 1755), Java e Sumatra (1883, cuja origem se deu com a explosão da Ilha Krakatoa, na Indonésia), Indonésia (Ilha das Flores, 1992), Japão (Ilha de Okushiri, 1993), Nova Guiné (1998), Peru (2001) e novamente no Japão, em 2011.

No entanto, nenhuma delas foi tão letal quanto o tsunami que se abateu em 26 de dezembro de 2004 sobre 14 cidades banhadas pelo oceano Índico tirando a vida de 240 mil pessoas. Diversas ondas de 10 metros aos intervalos de dez minutos mataram quase seis mil pessoas, deixaram 2.800 desaparecidos e 1.480 crianças órfãs, apenas na Tailândia. Na tragédia daquele país o tsunami deixou vivas, também, histórias de anônimos que se tornaram verdadeiros heróis no atendimento às vítimas - como nativos e médicos -, de sobrevivência - aqueles que suportaram a enorme dor por horas a fio em situações críticas até a chegada das equipes de socorro - e de famílias marcadas pela superação.

Ao priorizar essas três vertentes da tragédia, Sérgio G. Sanchez estabelece o inesperado e a fatalidade como inerentes ao ser humano, expondo a efemeridade da vida e o mundo com um lugar de expiação, único sentido para se entender como um ser humano pode morrer de um momento para outro sob as mais diversas circunstâncias. O inesperado na existência.

Sanchez e Bayona expõem essa condição humana, mas a desdobram sob outra vertente: a da sobrevivência. Sobreviver a tragédias assim é um desses "inesperados" que costumeiramente o dito popular costuma chamar de "milagre". E, entre milhares de mortos, uma família de cinco pessoas, incluindo duas crianças pequenas, sobreviver ao ser arrastada em dezenas de quilômetros por toneladas de águas pode ser visto mesmo como exemplo de um.

É o caso da família de Enrique e Maria Alvarez Belon e seus filhos Lucas, Thomas e Simão. Bayona e Sanchez se debruçam sobre a história desse "milagre" para colocar na tela, com todo o seu inesperado e violência, a tragédia que apanhou 14 países de surpresa na manhã de 26 de dezembro de 2004, deixando o mundo perplexo com as imagens assustadoras da invasão das águas ao continente, levando tudo em seu caminho.

Fragilidade

Ao centralizar a história da tragédia em uma família sobrevivente, "O Impossível" deriva a história para o humanismo ao retratar a fragilidade humana perante a morte inesperada, a força avassaladora da natureza e o surgimento da solidariedade como instrumento de agregação e espiritualidade. Desta forma, a tragédia, que não deixa de ser exposta em uma expressão realista, ganha a dimensão de superação e de amor no empenho de um pai e busca da mulher e deus filhos. E, no filme todo, após o tsunami deixar o seu estrago território adentro, o foco é a integração de homens, mulheres e crianças em aliviar as dores da tragédia - e isto está explícito na cena na qual um homem que perdeu a mulher e a filha oferece o seu celular para o personagem vivido por Ewan McGregor.

Há quem critique Bayona por ter carregado na dramaticidade, principalmente na cena de encontro da família sobrevivente, a fim de mexer com a sensibilidade do espectador, mas isso me parece genuíno e não falso, uma forma de obter a reflexão do espectador sobre um diferente momento de felicidade. A superação de uma jornada inesperada.

O realismo da tragédia provocada por um tsunami expressado em "O Impossível" e o talento para colocar a plateia dentro de seus acontecimentos confirmam Juan Antonio Bayona e Sergio Sanchez como os mais notórios nomes do cinema espanhol na atualidade. O resultado é uma obra reflexiva sobre o inesperado de cada dia na existência humana. Imperdível.

(Leia mais no Blog de Cinema blogs.diariodonordeste.com.br/blogdecinema)

Mais informações: O Impossível (Lo Impossible/The Impossible, Espanha, 2012), de Juan Antonio Bayona, com Ewan McGregor e Naomi Watts. Salas e horários no caderno Zoeira

FIQUE POR DENTRO

Um espanhol de talento em Hollywood

Para quem recusou dirigir um dos filmes da "Saga Crepúsculo" para investir em seu projeto pessoal, o qual, agora é um sucesso de público em todo o mundo e eleito pela crítica internacional como uma das dez melhores produções rodadas em 2012, vai ficar difícil para Bayona não se vergar ao poderio financeiro às condições de trabalho em Hollywood. Já há especulações sobre a contratação dele pela Summit Entertainment (distribuidora de "O Impossível" nos EUA e produtora da "Saga Crepúsculo"). Que o talento de Juan Antonio Bayona sobreviva aos projetos popularescos que certamente vão lhe oferecer.

PEDRO MARTINS FREIRECRÍTICO DE CINEMA
Diário do Nordeste

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