Para o grande público, ela é mais conhecida como a Cecília, da novela Vale tudo, exibida pela TV Globo no final dos anos 1980 e reprisada recentemente pelo canal Viva. Até hoje, muita gente a aborda nas ruas por causa da novela, em que formava, com a personagem Laís, vivida pela atriz Cristina Prochaska, o primeiro casal de lésbicas da TV brasileira. Depois, ela trabalhou na novela A história de Ana Raio e Zé Trovão, da extinta TV Manchete, e na minissérie As noivas de Copacabana, também da Globo. Foi longe dos estúdios e das câmeras, porém, que Lala Deheinzelin (fala-se Deanzlan, pela origem francesa) encontrou seu eixo – hoje, ela prefere ser chamada de “ex-atriz”.
Lala, diminutivo de Claudia, seu nome de batismo, tornou-se uma bem-sucedida consultora no campo da economia criativa – um termo amplo, no qual cabe quase tudo, mas que, em geral, refere-se ao estudo e ao desenvolvimento de processos produtivos ligados ao conhecimento e à criatividade. Aos 53 anos, Lala ganha a vida dando palestras, pelas quais diz cobrar até R$ 8 mil, e promove oficinas sobre o tema pelo Brasil e pelo mundo. Também assessora governos e entidades empresariais a desenvolver políticas e estratégias na área. “Ser atriz era algo limitado para mim”, afirma.
Desde que deixou a TV, Lala construiu um retrospecto respeitável em sua nova atividade. Foi assessora e consultora de instituições como a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Trabalhou em Cabo Verde e Moçambique e já foi oito vezes à China, para ajudar os governos locais a desenvolver a indústria criativa. “Lala é comprometida, engajada, articulada e faz um ótimo trabalho”, diz a economista brasileira Edna dos Santos-Duisenberg, ex-chefe do Programa de Economia Criativa da Unctad, em Genebra, na Suíça. “Lala é uma referência no Brasil no campo da economia criativa”, afirma o advogado Julio Sergio Moreira, ex-presidente do Sebrae Nacional. No Brasil, ela já trabalhou com várias instituições privadas e governamentais.
O que torna Lala diferente como consultora são as metodologias que combinam a economia criativa, a sustentabilidade, a inovação e o futuro em seu trabalho. Lala fundou o movimento Crie Futuros, com o objetivo de identificar, de forma colaborativa, cenários desejáveis. Para fazer isso, segundo Lala, é preciso se descolar dos modelos presentes. “Quando a gente pensa na questão da mobilidade, sempre pensa na produção de carros menores, em carros elétricos e em meios de transporte de massa. De repente, se a gente se descolar do presente possível e plausível, pode surgir a ideia de construir calçadas móveis, que funcionem como esteiras.”
No mês passado, Lala lançou o livro Desejável mundo novo, uma “ficção inspiracional” que se passa em 2042. No livro, ela mostra que “o futuro está nos desejos das pessoas” e pode não ser tão tenebroso como o descrito pelo escritor Aldous Huxley em Admirável mundo novo, de 1932. Distribuído gratuitamente na Rio+20, o livro foi produzido com o apoio da prefeitura de São Paulo e entidades como o Conselho Britânico e o Centro Cultural da Espanha. Também recebeu, de acordo com Lala, 288 contribuições voluntárias pelo site Catarse, autodefinido como “a primeira plataforma de financiamento colaborativo de projetos criativos do Brasil”. “A ideia é dar uma mãozinha para o futuro”, diz. “A gente acha que o futuro a Deus pertence, e pronto.”
Para Lala, a economia criativa, aliada à sustentabilidade, é a grande estratégia para o desenvolvimento no século XXI. Ao contrário da economia tradicional, baseada em recursos tangíveis, que se esgotam – como o petróleo –, ela depende de recursos intangíveis, como a criatividade e o conhecimento, que se renovam e se multiplicam com o uso. Ao ser questionada sobre o que a habilita a falar sobre economia criativa sem ter feito um curso específico na área, ela afirma que o segredo é o mosaico inusitado que representa sua formação intelectual. Seu currículo na internet tem 36 páginas. Além dos trabalhos como consultora e atriz, inclui um sem-número de atividades, de dança e coreografia à criação, produção e direção de espetáculos, como Clara Crocodilo (1981), com o músico Arrigo Barnabé, e megaeventos multimídias, para empresas como Brahma, BMW ou Natura. “Lala sempre foi muito competente no que faz”, afirma Arrigo.
Lala é filha do cineasta francês Jacques Deheinzelin, que desembarcou no Brasil no fim dos anos 1940 para participar da criação da Vera Cruz, o grande estúdio cinematográfico do país, e de Gini Brentani, tradutora e intérprete, que trabalhou como atriz em filmes como Caiçara, de 1950. Em seu primeiro trabalho, um anúncio da Johnson & Johnson, tinha apenas 2 anos – seu irmão mais novo, hoje médico, era o “bebê Johnson”. Estudou no Colégio Aplicação, então uma célula de vanguarda educacional. Fez biologia na Universidade de São Paulo, “para entender a natureza das coisas”. Acabou largando a faculdade no 3o ano. “Mudei muitas vezes, como se tivesse tido várias vidas”, diz Lala, com seu sorriso largo.
Apesar de ser a personificação do que o cantor e compositor Raul Seixas chamou de “metamorfose ambulante”, a vida de Lala parece ter um fio condutor. É o desejo, de certa forma ingênuo e ao mesmo tempo sedutor, de construir um mundo melhor e a crença, “desde sempre”, de que é possível realizá-lo. Lala recorre a um episódio de infância para ilustrar sua preocupação com a mudança. Um dia, quando tinha 6 anos, ela acordou no meio da noite e ficou sentada num degrau da escada de casa. De repente, sua mãe apareceu e, ao ver a filha ali, acordada de madrugada, perguntou: “O que você está fazendo?”. Lala respondeu: “Estou pensando”. Sua mãe, então, retrucou: “Pensando em quê?”. Lala disse: “Em como mudar o mundo”.
Ela afirma não acreditar nos partidos políticos tradicionais, porque “o modelo se esgotou”. Mas é uma ativista em tempo integral, que faz as coisas acontecer. “Dos 6 aos 18 anos, fui muito, muito gorda, e muito, muito tímida. Aí, percebi que poderia ser outra pessoa, por meio da dança e da arte, e me transformei em uma não gordinha expressiva. Senti na pele o poder transformador que está em cada um de nós”.
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