Com 78 milhões de católicos, os Estados Unidos têm agora 12 santos – sete deles podem ser considerados nova-iorquinos. O Brasil tem apenas dois. O que explica isso?
No dia 21 de outubro, o papa Bento XVI, autoridade maior da Igreja Católica Apostólica Romana, canonizou sete santos, numa cerimônia no Vaticano. Duas delas, Kateri Tekakwitha (1656-1680) e Marianne Cope (1838-1918), nasceram ou viveram no Estado de Nova York. Com 78 milhões de católicos, os Estados Unidos têm agora 12 santos – sete deles podem ser considerados nova-iorquinos. O Brasil, país de maior população católica do mundo, com 123 milhões de fiéis, tem apenas dois santos. Por que certos países têm tantos santos e outros tão poucos?
O padre jesuíta americano James Martin, autor do livro My life with the saints (Minha vida com os santos), relativiza a escassez de santos brasileiros. “Não é que o Brasil tenha poucos santos”, diz. “O Vaticano apenas não os reconheceu ainda.” Há uma diferença entre ter santos e ter santos reconhecidos. Santa, para a religião católica, é a pessoa de virtudes especiais que, morta, está no céu, na graça de Deus. Receber a graça não é privilégio de habitantes de um ou outro canto do mundo. Ter a santidade reconhecida, porém, é algo muito diferente, sujeito ao grau de desenvolvimento do país. Deus não olha mais para os Estados Unidos que para o Brasil. Mas os americanos tiveram, historicamente, melhores condições de pleitear o reconhecimento de seus agraciados.
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Isso ocorre porque pleitear o reconhecimento de um santo é um processo burocrático. Seus trâmites são dominados por países com mais tradição no assunto. Sem santos até o início do século, o Brasil era um país inexperiente. A canonização de Madre Paulina, em 2002, e de Frei Galvão, em 2007, foi um aprendizado. “Faltava conhecimento para tocar os casos”, diz a irmã Célia Cadorin, defensora da causa dos santos brasileiros no Vaticano. “A burocracia é exigente, tudo é feito com critério e responsabilidade.” Irmã Célia morou 26 anos em Roma, onde aprendeu os trâmites requeridos pelo Vaticano. Parado desde 1938, o processo de Frei Galvão foi retomado por irmã Célia em 1986 e concluído duas décadas depois. “Agora, o Brasil acordou”, afirma ela. “Temos cerca de 70 processos de canonização em andamento.”
Além de burocrático, o processo de reconhecimento de um santo é caro. A canonização de Madre Paulina levou três décadas e custou pelo menos R$ 100 mil. A maior parte do dinheiro vem de doações de congregações ligadas aos candidatos. Quanto maior o rebanho de fiéis, sua riqueza e sua disposição em doar para campanhas de canonização (um critério que não pode ser medido), maior a possibilidade de um país ter santos. Depois do Brasil, os países com mais católicos no mundo são México, Filipinas, Estados Unidos e Itália. Nessa lista, o Brasil só supera Filipinas em renda per capita – uma boa explicação para a escassez de santos brasileiros, em comparação com a relativa fartura de nova-iorquinos canonizados.
A canonização é cara e leva décadas porque o Vaticano exige farta documentação que prove as virtudes do aspirante a santo. Na falta de testemunhas vivas, a vida do candidato é investigada por um grupo de historiadores. Aprovada, a documentação é repassada a teólogos (nove, em média). Eles analisam a biografia e os atos de fé do candidato (aqueles que atestam uma vida virtuosa). Cinco cardeais e cinco bispos precisam então dar o sinal verde para o papa assinar o decreto de virtudes heroicas. Passada essa etapa, o candidato a santo entra na categoria das pessoas veneráveis. Antes de virar santo, o venerável precisa ascender à condição de beato. Para isso, o Vaticano precisa certificar que ele in-tercedeu para a realização de, pelo menos, um milagre, como a recuperação de um doente incurável. Para isso, a diocese e o postulador da beatificação precisam reunir depoimentos de médicos. Os documentos são avaliados por sete peritos do Vaticano, que atestam se o milagre é válido. O caso também é averiguado por teólogos e cardeais até chegar ao papa. Recebido o título, o beato, para ser reconhecido como santo, precisa que um milagre lhe seja atribuído após a beatificação.
O reconhecimento de santos depende, portanto, indiretamente, da qualidade das instituições de um país. A autoridade do médico, a precisão dos laboratórios e os recursos do hospital dão peso à afirmação de que a cura de determinado paciente estava além do alcance da ciência. “A Igreja resiste a reconhecer como milagre a cura daqueles que não foram ao médico e simplesmente rezaram”, diz Jacalyn Duffin, médica canadense que ajudou, na década de 1980, a atestar um milagre. “O Vaticano espera que o paciente tenha recebido o melhor tratamento disponível em sua época.” Jacalyn estudou os milagres documentados em 1.400 processos de canonização, entre os anos de 1588 e 1999. Desses, 97% eram curas físicas de doenças. Para Jacalyn, a falta de hospitais de qualidade atrapalhou o reconhecimento de santos brasileiros. “O Brasil foi pobre por muitos séculos, e as pessoas não tinham acesso aos melhores tratamentos médicos”, diz. “Isso está mudando. O país não começou a ter santos agora por acidente.”
Países mais antigos e culturalmente próximos à Itália, berço do catolicismo, tendem a ter mais santos. O estudo Economia da santidade, elaborado pelas universidades Harvard e Colúmbia, diz que, nos últimos quatro séculos, 86% das canonizações foram de pessoas que viviam na Europa. De 1950 a 2000, a participação da América Latina aumentou de 0% para 14%.
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