sábado, 29 de setembro de 2012

Protecionismo sem retoques


dilma destaque (Foto: Richard Drew/AP)A estratégia de repetir uma mentira inúmeras vezes até que ela se transforme numa verdade, levada ao limite na Alemanha por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, continua a conquistar adeptos ainda hoje em todo o planeta e agora parece ressurgir também no Brasil. O exemplo mais recente veio embutido no discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada na semana passada, em Nova York – em especial, no capítulo em que ela procurou defender o país das graves acusações de protecionismo econômico que se multiplicaram nos últimos tempos.
Contra todas as evidências, Dilma voltou a afirmar que as medidas de restrição às importações têm sido “injustamente classificadas” de protecionistas e foram adotadas em “legítima defesa comercial”, conforme as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), que estabelece uma alíquota máxima de 35% para os produtos importados. Em tom de palanque, Dilma recorreu mais uma vez à tese de que essas medidas são necessárias para o Brasil enfrentar o “tsunami monetário” provocado pelos bancos centrais dos países desenvolvidos, que têm injetado bilhões de dólares na economia, com o objetivo de estimular o crescimento e deixar a crise para trás. Segundo ela, isso produz uma desvalorização “artificial” no câmbio e aumenta de forma “espúria e fraudulenta” a competitividade dos países desenvolvidos, em prejuízo do Brasil e de outros mercados emergentes.
Apesar de o governo insistir nessa versão, ela não resiste à dura prova da realidade. Já são tantas as medidas punitivas impostas contra os importados que ficou difícil até manter atualizada a lista dos setores e produtos em que isso está ocorrendo. Do petróleo aos brinquedos, o protecionismo se espalhou por toda a economia. No setor de veículos, cujas regras foram alteradas sem aviso prévio, multiplicam-se as perdas de importadores e distribuidores, que investiram pesado para se estabelecer no país. Recentemente, o governo anunciou o aumento dos impostos sobre mais 100 produtos do exterior. Uma nova lista de restrições é esperada para outubro. Em vez de o governo estimular o aumento da concorrência, para favorecer o consumidor, o mais relevante agora é o tal do “conteúdo nacional” – um eufemismo para a velha reserva de mercado, que levou o Brasil a produzir durante décadas carros considerados como “carroças” e a se transformar no campeão mundial do contrabando de equipamentos de informática.
Diante deste quadro hostil, a imagem do país no exterior vem perdendo muito de seu charme. Nos últimos meses, o México tomou do Brasil a posição de país preferido pelos investidores internacionais na América Latina. Na semana passada, ao desembarcar no Brasil para uma visita oficial, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, reforçou as críticas externas contra o protecionismo no país. Uma semana antes, o representante de comércio dos EUA, Ron Kirk, divulgou uma carta em que fazia críticas pesadas ao Brasil e sugeria que poderá haver uma retaliação americana, se as restrições às importações não forem revistas. Até a OMC, cujas normas o governo diz respeitar, já se manifestou contra as medidas adotadas pelo país.
Embora o governo justifique as restrições com base em questões conjunturais, muitos analistas e investidores desconfiam de que elas têm raízes ideológicas e pouco ou nada tem a ver com a crise atual. Até porque, até agora, o “tsunami” tão temido em Brasília ainda não se concretizou. Em vez da inundação de dólares e euros que atingiria o país, provocando uma valorização acentuada do real e prejudicando as nossas exportações, o que houve, de fato, foi uma “estiagem monetária”. A certa altura, faltou até moeda forte na praça. O Banco Central, que vinha forçando a desvalorização da moeda brasileira, em linha com as diretrizes do ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou até a vender dólares no mercado futuro para evitar uma desvalorização “excessiva” do real, que alcançou R$ 2,11 por dólar, e evitar reflexos negativos na inflação -- hoje, a cotação está em R$ 2.
Enquanto países da América Latina como Chile, Colômbia, Peru e México abrem cada vez mais suas fronteiras ao comércio global, com claros benefícios para o crescimento e a eficiência da economia, o Brasil prefere trilhar o caminho oposto – e, pior, fazendo o que pode para o mundo acreditar que isso não está acontecendo. Ao aumentar as barreiras aos importados, o Brasil se aproxima, ainda que em versão light, dos bolivarianos da Venezuela, da Bolívia, do Equador e – por que não? – também da Argentina, onde o protecionismo vem provocando uma fuga em massa de grandes grifes internacionais. É disso que se trata. O resto não passa de um jogo inútil de palavras, no qual nem inglês acredita.
Revista Época

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