Três anos depois do sucesso de Avatar, o cine
ma 3D vive seu momento de maior expansão. Apenas em 2012, mais de 40 filmes foram rodados ou convertidos para o formato. A maioria, visando conquistar o grande público com efeitos mirabolantes, tem um caráter comercial. Filmes como Os vingadores, Homens de Preto 3 e Madagascar 3 são alguns dos maiores sucessos de bilheteria do ano. Em outro campo e em menor escala, começam a surgir longas-metragens que, com menos apelo popular, buscam usar o recurso como ferramenta artística. É o caso de As aventuras de Pi, do diretor taiwanês Ang Lee, que estreia nesta semana no Brasil e já é um dos mais cotados para o Oscar 2013.
Adaptação do livro homônimo do canadense Yann Martel, de 2001, o filme narra a história de Piscine, um garoto indiano que se perde no mar na companhia de um tigre-de-bengala indomável. Para transpor o enredo introspectivo às telas, Lee demorou quatro anos – um ano e meio só de pré-produção. Com o auxílio de câmeras e supercomputadores, Lee construiu animais, ilhas e oceanos com texturas digitais. “Trabalhar com 3D foi totalmente diferente para mim”, disse Ang Lee a ÉPOCA. “Sabia que era um livro impossível de filmar. O único jeito de me aproximar era colocar uma dimensão a mais.”
Para boa parte da crítica dos Estados Unidos, onde o filme estreou em 23 de novembro, a obra é o marco do amadurecimento da técnica do 3D. Mostra que hoje não há barreiras de estilos ou formatos para suas possibilidades. “Nunca vi a ferramenta ser mais bem empregada, nem mesmo em Avatar”, disse Roger Ebert, o experiente crítico de cinema do Chicago Sun-Times, conhecido por criticar a banalização dos recursos tridimensionais. “Ang Lee nunca usa o 3D para surpresas ou sensações. Usa para aprofundar a sensação de locais e eventos.”
Entre os admiradores da obra está James Cameron, diretor de Avatar, filme que revolucionou o setor e faturou US$ 2,8 bilhões de bilheteria. Ao ver o resultado na tela – sobretudo as baleias saltando e o céu vívido –, Cameron disse ter se impressionado. “Ang Lee quebra o paradigma de que o 3D tem de ser um espetáculo de ação e fantasia, um filme de super-heróis”, disse. “É uma história espiritual.” Segundo ele, a partir dessa obra, mais cineastas de renome perceberão o valor que as imagens 3D podem acrescentar a seus filmes.
O fenômeno do “3D artístico” teve início em 2011. Nomes tidos como de vanguarda, como o americano Martin Scorsese (A invenção de Hugo Cabret) e os alemães Werner Herzog (A caverna dos sonhos perdidos) e Wim Wenders (Pina 3D), fizeram seus primeiros experimentos e já revelaram que pretendem seguir usando a tecnologia. Eles influenciaram, além de Lee, as técnicas do diretor australiano Baz Luhrmann, que lançará no ano que vem a adaptação em 3D do livro O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. De acordo com Luhrmann, a sensação de profundidade pode ser usada para tornar “o jeito de contar histórias muito mais poderoso”.
Luhrmann, Lee e demais diretores se aproveitam da grande evolução tecnológica do 3D que ocorre desde 2009. De lá para cá, com o mercado aquecido, diversas empresas passaram a produzir câmeras especializadas na técnica tridimensional. Menores e mais versáteis, elas têm ganhado maior espaço nos sets ao lado dos equipamentos 2D. “A tecnologia 3D deu um salto muito grande desde Avatar”, diz o cineasta brasileiro Paulo Fontenelle, diretor da comédia Se puder... Dirija!, o primeiro filme brasileiro que sairá em 3D, no ano que vem. “Hoje, os equipamentos dão muito mais opções para o diretor experimentar a sensação de profundidade.” A única dificuldade, segundo ele, é convencer os estúdios a apostar em obras com pouco apelo comercial.
Fazer filmes em 3D exige muito mais investimentos do que o processo tradicional. Mesmo que a obra seja promissora no aspecto cinematográfico, se não houver retorno financeiro, os estúdios tendem a abandonar o projeto. Antes de Lee, outros três diretores tentaram adaptar As aventuras de Pi. Quando ele sugeriu o 3D, o projeto foi quase cancelado pela Fox. Estima-se que, dos US$ 100 milhões de orçamento, mais de US$ 25 milhões tenham sido gastos com custos de câmeras 3D e pós-produção. A previsão é que o filme apenas pague seus custos. Algo parecido com o que ocorreu com A invenção de Hugo Cabret – mesmo com 11 indicações ao Oscar, o filme de Scorsese registrou uma bilheteria modesta: US$ 186 milhões, pouco mais do que custou.
Os filmes 3D com pouco apelo comercial só se justificam pela demanda posterior, a televisiva. “A televisão 3D precisa de conteúdo, hoje não há filmes suficientes para alimentá-la”, diz o crítico Rubens Ewald Filho. Mais acessíveis, os televisores 3D vêm crescendo em popularidade pelo mundo. Neste ano, nos Estados Unidos, as vendas desses aparelhos já cresceram 74% em relação a 2011, de acordo com a consultoria NPD. No Brasil, segundo a consultoria GfK, o faturamento com aparelhos de TV 3D aumentou 16% em 2012. A expectativa é que o setor cresça ainda mais em 2013, com o aumento da quantidade de filmes tridimensionais. Com isso, diz Ewald Filho, crescerá também a variedade de títulos e estilos usando a tecnologia. Se isso prevalecer, os experimentos com 3D podem estar só no começo.
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