A festa da democracia foi rápida no dia 7 de outubro. Poucas horas depois de abertas as urnas, 99% dos municípios brasileiros (ou 5.568 cidades) já conheciam os nomes dos prefeitos que, a princípio, irão governá-los até dezembro de 2016. Em apenas 50 cidades a decisão ficou adiada para o próximo dia 28, data do segundo turno. Pela primeira vez estava em vigor a lei da Ficha Limpa, que prevê a diplomação apenas de políticos com passado ilibado. Mas para fazer valer sua eficácia da lei, que surgiu de uma iniciativa popular, a maior Corte eleitoral do país agora corre contra o tempo.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), diz ser preciso fazer um mutirão para limpar a pauta de julgamentos nos casos envolvendo a lei da Ficha Limpa. A preocupação da ministra se justifica por duas razões. A Lei Complementar 135/10 (Ficha Limpa) exige prioridade da Justiça eleitoral para esses casos. Além disso, a quantidade de recursos assusta. Cerca de 3 mil candidatos considerados ficha suja por órgãos colegiados, as primeiras e segundas instâncias da Justiça, chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um terço foi julgado. Enquanto a data da diplomação se aproxima, em dezembro, existe a possibilidade de que decisões do TSE mudem o cenário eleitoral nascido das urnas.
É o caso de Petrópolis, no Rio de Janeiro, município com 241 mil eleitores. Hoje, Bernardo Rossi (PMDB) e Paulo Mustrangi (PT) são candidatos do segundo turno. Mas a manutenção das duas chapas na disputa pode mudar com uma decisão do TSE. Isso porque o segundo mais votado no pleito não foi nem Rossi nem Mustrangi, mas sim Rubens Bomtempo (PSB). O candidato socialista recebeu 50,3 mil votos (2,6 mil a menos que Rossi, que venceu no primeiro turno).
Bomtempo ficou ausente do segundo turno graças a um imbróglio jurídico. Como foi condenado quando ainda era prefeito de Petrópolis, por improbidade administrativa, não passou pela Ficha Limpa. Ao término do primeiro turno, porém, ele teve uma surpresa positiva, mas de curta duração: Alexandre Teixeira de Souza, juiz eleitoral, determinou que Bomtempo era dono legítimo da segunda vaga. O TRE, porém, acatou um pedido da coligação de Rossi, para que apenas candidatos que receberam votos válidos (caso dele e de Mustrangi, e não de Bomtempo) fossem aptos a disputar o pleito do dia 28 de outubro.
Bomtempo recorreu ao TSE. Se a corte reverter a decisão do tribunal regional fluminense, Mustrangi, o terceiro mais votado com 45 mil votos, terá de sair da disputa do segundo turno em favor de Bomtempo. Ainda em cenário das hipóteses, caso uma eventual decisão a favor de Bomtempo saia depois da data da nova eleição, no dia 28 de outubro, o resultado entre o peemedebista e o petista será anulado. Uma nova votação será, então, necessária.
Bomtempo diz que se surpreendeu com a decisão do TRE de deixá-lo fora do segundo turno. Por meio de nota, afirmou: “É mais uma tentativa desesperada para impedir que o povo petropolitano tenha o direito de escolher nas urnas o próximo prefeito da cidade”. Ele diz que aguardará a decisão do TSE com “tranquilidade”.
Por outro lado, o petista Mustrangi diz haver um “claro desequilíbrio” no processo eleitoral. O argumento é que o cenário favoreceria Rossi, único candidato que planejou suas estratégias para o segundo turno já sabendo que estava garantido nas urnas. “Só um candidato faz campanha, articulação política, que é Rossi. As urnas serão inseminadas com meu nome e o dele na sexta-feira”, diz Mustrangi. “Mas, e se o TSE decidir depois que o Bomtempo é candidato? Como fica o exercício da cidadania por parte do petropolitano? Neste momento, há uma insegurança jurídica muito grande.” Apesar de hoje constar nas urnas, a coligação do petista acionou o TSE pedindo pelo adiamento da data do segundo turno. “Um candidato passa dia e noite depois do primeiro turno articulando o segundo, e isso me foi embora com essa insegurança jurídica.”
Bernardo Rossi reitera que há uma insegurança jurídica na disputa. Diz que só decidiu recorrer ao TRE porque “queria conhecer” o seu real adversário. Ele rejeitou que tenha sido beneficiado pelo imbróglio e afirma que é procurado por eleitores, durante suas caminhadas por Petrópolis, não para conhecerem suas propostas, mas para descobrir contra quem ele disputará o segundo turno. “Respondo: ‘Não sei’. Só quero conhecer o adversário. E a justiça precisa orientar. Se entenderem que a eleição deve ser adiada, vamos acatar”.
Apesar de sua pauta cheia, o Tribunal Superior Eleitoral promete celeridade na análise do caso de Bomtempo e de outros cerca de 2 mil recursos sobre Ficha Limpa. Além das urnas, eleições também são disputadas na Justiça.
Revista Época
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