"Se as crianças precisam ser atendidas em suas necessidades básicas de proteção, nutrição e afeto, não precisam ser atendidas em todos os seus desejos e, muito menos, imediatamente. Limites, interdições, “nãos” devem ser dados para que as crianças aprendam a viver no mundo das outras pessoas e aprendam a levar em consideração também as necessidades e os desejos alheios"
Tudo o que o ser humano faz é para obter prazer ou para evitar dor. A nossa época, chamada hipermoderna, caracteriza-se pela busca do prazer imediato. Frustração é tolerada com dificuldade, foge-se de qualquer sofrimento físico ou mental, dor é inadmissível. Mesmo tensão e estresse são considerados sempre nocivos. Até a ética precisa ser indolor.
Desde o berço, busca-se poupar o ser humano. O choro do bebê é logo identificado por sua mãe como sofrimento, que imediatamente o atende. Ela se esquece que o choro é a fala do bebê, que não necessariamente está com dor ou privação. Ele pode estar pedindo atenção e pode, também, esperar um pouquinho para ser atendido. Apenas no útero, o bebê é atendido a priori.
Ao nascer, ele vive necessidades e precisa que um outro ser da mesma espécie cuide dele. Ele tem que manifestar essa necessidade para ser satisfeito e precisa esperar que quem cuida dele o entenda e o atenda. Essa comunicação é vital para seu desenvolvimento.
Se as crianças precisam ser atendidas em suas necessidades básicas de proteção, nutrição e afeto, não precisam ser atendidas em todos os seus desejos e, muito menos, imediatamente. Limites, interdições, “nãos” devem ser dados para que as crianças aprendam a viver no mundo das outras pessoas e aprendam a levar em consideração também as necessidades e os desejos alheios.
Os filhos, muitas vezes, têm que lidar com frustrações, tolerar esperas, entreter tensões, pois só assim conseguem descobrir meios alternativos e viáveis para tentar satisfazer seus desejos. Esse é um aprendizado inestimável que propicia o desenvolvimento da capacidade de elaboração mental, o aumento da flexibilidade adaptativa e o fortalecimento do eu.
Atualmente existem muitas crianças que não aprenderam a aguentar esperas, não aceitam os “nãos” e suas birras são assustadoras. Os pais, com medo de frustrarem seus filhos, com medo de fazê-los sofrer, só dizem “sim" ou pior, transformam o “não” em “sim” frente ao enfrentamento agressivo dos filhos. Reforçam, com isso, o direito compulsivo ao prazer imediato e incondicional.
A grande importância do espaço da falta
Não é criado o espaço da falta, pois a satisfação do desejo não é adiada, uma vez que a espera é identificada com sofrimento. Os objetos de desejo, assim conseguidos dessa forma tão rápida, tornam-se rapidamente também descartáveis.
Está se correndo o risco de se criar uma geração que não tolera o espaço da falta, pois não foi ensinada a esperar nada. Sabe-se que é no espaço da falta que nasce o desejo verdadeiro por objetos e por pessoas. O desejo alimentado por um objeto, carrega de valor esse próprio objeto e é o desejo pela outra pessoa, que conduz ao amor por ela e à possibilidade de trocas afetivas.
Pode ser que esteja sendo criada uma geração de seres humanos egoístas, que são apenas receptores no mundo, que creem ser seu direito o atendimento imediato no que querem e, se possível, até mesmo serem adivinhados nos seus desejos. Oxalá, quanto a isso, eu esteja equivocada.
UOL Notícias
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