Do The New York Times, em Danvers, Massachusetts (EUA)
Danvers, Massachusetts – “Eu tinha um cachorro que adorava, chamado Henry Higgins (ou Hank), e que morreu na Páscoa de 2010”, diz John Archer na sala “Danvers”, a última ampliação de sua casa, que está constantemente em expansão e repleta de coisas que foram jogadas na rua. “Eu o coloquei no carro e estava indo enterrá-lo na casa de praia e, no caminho, passei em frente ao entulho de alguém que havia jogado fora uma cama. Dirigi pensando: ‘não é hora para isso, estou de luto’, mas, é claro, eu fiz a volta com o carro. Tive que empurrar o corpo do coitado do Hank para o lado para colocar a cama dentro do carro”, lembra Archer e que ficou com o cão por 16 anos.
Ele está rindo, como sempre faz quando conta suas histórias: “o dono da cama falava: ‘deixa eu te ajudar’ – e eu estava com o cachorro morto no carro”. Ele gesticula em direção a uma parede a qual pedaços da cama foram incorporados e pintados. Surpreendentemente, ficou excelente. “É uma história engraçada”, Archer afirma, “mas vou sempre me lembrar do meu beagle amado”.
Quando a maioria das pessoas encontra alguma peça de demolição – uma janela de vidro, digamos, ou pedaços de azulejo português do século 18 – elas podem fazer um esforço para arrumar um espacinho para aquilo em casa. Quando Archer, 62 anos, encontra algo intrigante (o que é, geralmente, uma coisa muito grande), costuma construir uma nova ala ao seu redor.
A casa, que ele comprou há 30 anos por US$ 135 mil, um dia teve 280 m² e dois andares. Agora a construção mede algo entre 1 mil e 1,2 mil m², com alas surgindo por todos os lugares: um pterodáctilo de detritos arquitetônicos.
Uma torre e seus retalhos
Entre os componentes da edificação estão a ponta da torre de um hospital psiquiátrico do século 19 - que Archer afirma ter sido exclusivo para os doentes mentais com problemas sexuais - e quatro andares de janelas de vidro, herança de uma mansão em Gloucester e que, atualmente, dão forma a uma das paredes da sala de jantar.
A extensão da biblioteca foi feita para acomodar uma lareira, mais esquadrias com vidros e um lustre, tudo de uma casa de Manchester. (O lustre, pelo qual Archer pagou US$ 2.5 mil, estava preto de sujeira quando ele o adquiriu.) A sala de música, que pode acomodar 125 pessoas para um concerto – e frequentemente acomoda – foi construída para dar um teto ao piano Mason & Hamlin, pelo qual Archer pagou US$ 40 mil para restaurar – embora devamos ressaltar que a memória do morador à respeito ao quanto ele pagou por qualquer coisa é terrível.
Quando era do Comitê de Preservação de Danvers, Archer - que parece ter colocado seu dedo em cada um dos empreendimentos artísticos e arquitetônicos da cidade - lutou para salvar o Danvers State Hospital. A instituição mental, construída nos anos 1870, não era simplesmente uma obra de arte gótica para Archer e, sim, “um testamento da condição humana não menos formidável que o Hermitage ou o Palácio de Buckingham”, avalia.
A luta pela preservação do prédio foi perdida e muito dele foi demolido, mas Archer pagou US$ 6 mil para remover uma pequena torre e tê-la rebocada até sua casa, junto com tijolos, pedaços de granito, esquadrias e outras coisas. (Os rumores que o colecionador teria conseguido salvar uma máquina de lobotomia são falsos, afirma, pois lobotomias eram feitas com agulhas. Mas, sim, Archer tem alguns exemplares destas.)
A torre ficou no gramado de Archer por alguns anos, até o começo deste verão, quando finalmente foi transformada - com a ajuda de Robert D. Farley, um arquiteto de Ipswich, Massachusetts - no que o colecionador chama de ala Danvers. Ao custo de cerca de US$ 225 mil, valor que inclui o corredor até a sala de música.
Noves fora, qualquer coisa aí
O colecionador que compôs e ampliou sua casa como um bricabraque, responde à repórter admirada a olhar para o pé direito duplo, o teto de catedral e um balcão da sala de música, que as expansões devem todas “ter custado uns US$ 200 mil”.
Bem, “vamos tentar de novo”, diz a repórter, inclinando sua cabeça para olhar o teto. “Um milhão”, Archer então calcula, sem convencer. “E a história da torre ter vindo de uma instituição mental para pessoas com problemas sexuais, como ele sabe se é verdade?”, ela questiona. “Bom, eu posso ter inventado – eu invento coisas”, ele responde, cordialmente. “Mas alguém me contou”, emenda.
Sobre alguém querer viver em uma casa continuamente em reforma, Archer dispara: “sinto amor pelos belos objetos e desejo de salvá-los. E tenho apreço pela História”. E acrescenta: “pessoas já vieram em minha casa e disseram: ‘não se constrói mais hoje em dia como antigamente’. Eu respondo: ‘esta sala tem cinco anos de idade’. Vivemos na sociedade do descartável. Para mim, é muito lógico querer salvar sua história”.
A arquitetura das histórias extravagantes
Mas preservação arquitetônica e restauração não são os únicos interesses de Archer. O colecionador também faz parte do conselho do River House, um refúgio para homens sem-teto perto de Beverly, e foi a força motriz por trás da salvação de uma antiga escola da esfera demolidora e da transformação dela na Danvers Art Association, da qual é agora presidente.
Archer foi um bom amigo de Joan Kennedy (primeira mulher de Ted Kennedy) por cerca de 40 anos e alega ter sido desejado pelo maestro Leonard Bernstein. Afirma que teve aulas de culinária com Julia Child - e a conheceu bem o bastante para fazer uma ligação de emergência quando um ensopado de mariscos que cozinhava para um jantar para 30 pessoas coalhou e ficou com uma cara horrível, mas continuou saboroso. (Ele faz uma imitação perfeita do conselho dela, num falsete de Back Bay: “diminua as luzes”).
Archer sempre tocou piano com sua banda, “Just in Time”, em eventos beneficentes locais e não é preciso muito esforço para convencê-lo a nos fazer uma apresentação-relâmpago. De certo modo, não é surpreendente ver que o teto sobre a cama de Archer é revestido por espelhos envoltos em neon.
Assim como sair para almoçar à bordo de seu Porsche branco, Archer gosta de salvar tesouros que encontra no lixo. Mas não faz isso por dinheiro. Na copa, o colecionador um tanto excêntrico aparece com um copo com a borda em ouro: “estes são de Veneza”, afirma. “Acho que tomei umas cinco taças de vinho quando fui vê-los. Custavam US$ 300 cada. Mas eles são os melhores e eu os quero. Então acho que vou estourar o cartão de crédito. Peguei uma dúzia”, conta a saga.
Na verdade Archer comprou três dúzias. “Uma de cada tipo. Eles ficam perfeitos com meus pratos dourados”, argumenta. Fazendo as contas, o gasto com os copinhos dá US$ 10.800. Será que a família Archer é dona de um pedaço de Boston?
- A porta inglesa de um vestíbulo é um dos muitos itens resgatados por John Archer e, posteriormente, incorporados na construção de sua mansão
“Não, mas eu sou solteiro”, se defende. “Não tenho filhos. Eu me divirto muito, mas sou parcimonioso com várias coisas. Sou um catador de lixo, pelo amor de Deus. Mas se eu fico maluco com alguma coisa, eu compro”, acaba confessando.
Família “quatrocentona”
Na verdade, a família de Archer está nessa parte de Massachusetts desde o século 17. O pai dele era dono de uma companhia de seguros e, embora Archer tenha se formado em Literatura, quando tinha 30 anos e seu pai faleceu, fez o esperado e assumiu os negócios familiares. “Eu não exatamente sonhava com os negócios no mundo dos seguros, mas eu sabia que era preciso ir trabalhar”, conta.
Não obstante, ele amava e colecionava antiguidades desde criança e, por um curto período de tempo, trabalhou como corretor imobiliário. Então quando esta casa, que fora construída no final do século 19, foi colocada à venda, Archer comprou com um amigo, de quem ele comprou a parte depois.
Archer queria a casa, em parte, porque precisava de espaço para o seu piano - que afirma ter pertencido a Harold Bauer, um pianista que fez turnê pela Rússia, utilizando-se do instrumento, no século 19. (O colecionador mostrar uma fotografia como prova, embora fosse necessário ser um pianista forense para confirmar a afirmação).
Pelo fato de a casa não ter nenhum traço arquitetônico digno de nota, ele não sentiu remorso em construir anexos aonde bem entendesse. E em dois acres, havia espaço o bastante para expandir. Alguns dos tesouros adquiridos - como a parede de vidro colorido que separa seu quarto do banheiro - vieram de comerciantes de relíquias de arquitetura, outros de grandes mansões demolidas.
E tudo tem uma história – como as janelas de vidro da sala de jantar, que ele encontrou há 20 anos: “meu arquiteto me ligou de uma mansão em Gloucester e disse que eles iriam reformar a casa, e a dona dizia: ‘tira isso, não quero mais’”, conta Archer sentado em sua sala de jantar, onde o sol dava um espetáculo através das vidraças tão impressionante, que a ideia de tê-las destruídas parece mesmo um crime.
“Eu as guardei durante três anos na minha garagem. O projeto de Gloucester acabou e, depois que as janelas foram instaladas em minha casa, recebi uma ligação da nova proprietária da casa dizendo: ‘ouvi dizer que você está com as minhas janelas e eu gostaria de tê-las de volta’. Eu disse que não, que aquelas janelas eram minhas, eu tive que pagar algo como US$ 1.5 mil por elas. Algumas horas depois ela ligou de novo e pediu desculpas, e disse: ‘na verdade eu sou muito legal’”, relembra o colecionador.
Ctrl+C, Ctrl+V
E se você está pensando que esta casa nunca vai ficar pronta, você tem razão.
A cama que ele viu no lixo a caminho do enterro de seu cachorro não é o único móvel que ele desmontou e incorporou à casa. O teclado de um antigo órgão e os pés de uma mesa de jantar formam parte de uma claraboia. A frente de uma gaveta de uma escrivaninha que pertencia ao seu pai é parte de uma parede e seus puxadores de metal continuam intactos.
E as portas da frente do Danvers State Hospital, que já apareceram em vários filmes, são agora as portas dos fundos da ala Danvers. "Jean Simmons atravessou essas portas no filme de 1958 'Home Before Dark'”, conta Archer, orgulhoso.
Há também várias ótimas cadeiras no sótão ou no estábulo ou na garagem. Ele pode vê-las em uma varanda ensolarada, repintadas. Sem espaço para o acréscimo de uma nova ala? Claro que sim. Ele pode expandir para trás da biblioteca. “Eu acho que as coisas nunca estão finalizadas”, diz. “Que coisa chata".
Revista Época
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