O biólogo evolucionário Stephen Stearns, professor da Universidade Yale, nos Estados Unidos, estuda a evolução humana. Ele diz que o desenvolvimento da tecnologia acelerou esse processo. Desde a segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento dos meios de transporte, os seres humanos se aproximaram. Graças aos trens, navios, carros e aviões, pessoas nascidas a quilômetros de distância puderam se conhecer e ter filhos. A consequência dessa mistura genética mais intensa e acelerada é que, gradualmente, características definidas por genes recessivos, aqueles que precisam aparecer em duplas para se expressar, e que proliferaram em populações isoladas, devem se tornar menos comuns. É o caso dos olhos azuis e os cabelos e pele mais claros. “O resultado é o surgimento de populações que convergem para o moreno claro e, em muitos casos, grande beleza física”, afirma Stearns. Os havainos modernos e os brasileiros já são exemplos desse tipo de população miscigenada moderna. Segundo Stearns, a longo prazo, as mudanças decorrentes desse processo porão fim ao conceito de etnicidade como o conhecemos.
ÉPOCA - A espécie humana continua a evoluir?
Stephen Stearns – Sim. O fato de a cultura e a tecnologia serem importantes agora não significa que a evolução biológica tenha parado. A tecnologia, na verdade, contribuiu para a evolução de nossas características biológicas. Isso acontece porque pessoas que nasceram a grandes distâncias uma da outra podem se casar, uma tendência que começou com a invenção do trem e da bicicleta no início do século XIX. Antes disso, a maioria das pessoas encontrava seus parceiros no espaço de uma caminhada ou, caso fossem ricos, à distância de um passeio a cavalo. E a maioria dos parceiros vinha de não mais que alguns quilômetros de distância. Desde então, carros e especialmente aviões aumentaram a mobilidade e, com ela, a possibilidade de pessoas nascidas a centenas ou milhares de quilômetros de distância se conhecer e ter filhos. Claro que a imigração também contribuiu enormemente para o processo de mistura genética.
ÉPOCA – Qual é o resultado dessa mistura?
Stearns – É uma população que converge para pele moreno clara e, em muitos casos, grande beleza física. Muitos brasileiros, embora não todos, são uma mistura multiétnica de várias origens genéticas, tal qual muitos havaianos modernos. Em alguns séculos, todo mundo se parecerá com os brasileiros – serão, também, uma mistura multiétnica. Os principais efeitos serão vistos nas características que dependem de genes recessivos, aqueles que precisam aparecer em duplas para se expressar. Essas características, como a cor azul dos olhos, devem se tornar menos frequentes.
ÉPOCA – É possível que elas desapareçam?
Stearns – Duvido que muitos traços desapareçam por completo. Provavelmente, sempre haverá pessoas com olhos azuis, mas a frequência será menor. O mesmo acontecerá em relação a pessoas ruivas. As principais consequências são sobre as variações na cor da pele, cor dos olhos e estatura, mas haverá também implicações sobre capacidade de resistir a doenças, por exemplo.
ÉPOCA – Por quê?
Stearns – Como os genes estarão mais misturados, doenças causadas por genes recessivos serão menos comuns. A possibilidade de pessoas de origens étnicas e geográficas muito distintas carregarem a mesma mutação negativa é muito, muito pequena. Isso também aumenta a diversidade genética das populações, o que torna mais difícil que as doenças infecciosas desenvolvam especializações que as tornem localmente mais eficientes.
ÉPOCA – O senhor disse que, por causa da miscigenação, algumas características devem se tornar menos comuns. Deve haver maior homogenização de características. Mas os brasileiros são, fisicamente, bastante variados. Não é contraditório?
Stearns – O que quis dizer com o exemplo brasileiro é que deve ocorrer uma crescente mistura étnica. E o primeiro efeito dessa mistura étnica é o aumento da variação de características físicas entre os indivíduos. As pessoas não vão assumir, imediatamente, características parecidas em termos de cor de pele ou cor de olho. Nos primeiros estágios do processo – as primeiras cinco ou dez gerações –, as variações aumentam, e devem permanecer elevadas por muito mais gerações que isso.
Época – O que deve acontecer depois desse período?
Stearns – A longuíssimo prazo – até mil gerações – todas as populações deverão conter os mesmos graus de variação, e o conceito de etnicidade, como o conhecemos, deve desaparecer. Por que as populações estarão mais homogênias, mais parecidas entre si. Mas isso só vai ocorrer se as atuais tendências de imigração, emigração e mobilidade das populações continuarem globalmente.
ÉPOCA – Saltos evolutivos demoram milênios para ocorrer. Como é possível observar a evolução humana no espaço de algumas gerações?
Stearns – Um dos maiores avanços na biologia evolucionária nas décadas de 1970 e 1980 foi demonstrar que nós podemos medir significativas mudanças evolutivas entre algumas poucas gerações. Na verdade, há uma grande variação de ritmos de evolução e, para a maioria das características humanas, as mudanças são lentas. Demorou entre 5 mil e 9 mil anos para que os genes para tolerância a lactose aumentassem em frequência de quase zero para cerca de 90% da população em culturas com criação de animais. Isso equivale a 200 – 300 gerações humanas. As mudanças que observamos em um grupo de americanos que é acompanhado por cientistas desde o fim da década de 1940 foram mais rápidas que isso.
ÉPOCA – Quais são essas mudanças recentes?
Stearns – Nosso estudo mostrou que homens e mulheres estão evoluindo para ter pressão sanguínea mais baixa e taxas mais baixas de colesterol e de açúcar no sangue, que são fatores de risco de ataques cardíacos, diabetes e obesidade. Eles evoluíram biologicamente para se tornar mais saudáveis geneticamente, mas ao mesmo tempo sua cultura estava mudando rapidamente, e os efeitos culturais de mudanças na dieta dessas populações poderiam eliminar esse progresso biológico. Não é só a cultura ou só a genética, mas uma combinação dinâmica entre cultura e genética. Nós ainda não entendemos como ocorre a evolução conjunta de genética e cultura de maneira detalhada, mas fica cada vez mais claro que adquirir a compreensão desse processo é um dos mais importantes desafios da ciência moderna.
Revista Época
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