Por maiores que sejam seus índices de popularidade, a presidenta Dilma Rousseff não é uma unanimidade. E a raiva que alguns eleitores têm dela pode chegar ao cúmulo de querer vê-la fora da Presidência. Em toda a história do Brasil, apenas um presidente da República perdeu o mandato em um processo de impeachment – Fernando Collor de Mello, em 1992. Contra ele, uma CPI no Congresso encontrou fortes indícios de corrupção e houve grande apoio da sociedade civil ao processo. Ainda que contra Dilma não haja nada disso, não significa que ela tenha sido poupada de iniciativas de apeá-la do poder. Apenas nesta legislatura, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), determinou o arquivamento de cinco pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff. Os dois pedidos mais recentes, ambos apontando crime de responsabilidade, foram para a gaveta em 7 de Setembro, enquanto a presidenta participava dos festejos da Independência. Nenhum deles, segundo consultores da Casa, alcançou fundamentação jurídica para justificar instalação de processo.
Ainda que Dilma possa se sentir tranquila em seu gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto, a situação é mais normal do que se pensa. Mas esse tipo de ocorrência no Congresso é pouco – ou nada – repercutida pela imprensa. Uma das razões para a quase nula publicidade a respeito do assunto é a própria natureza das proposições: como não são projetos legislativos, elas deixam de ser inseridas como tal nos arquivos virtuais da Câmara, onde a tramitação de pedidos de impeachment tem início. Assim, ficam materialmente restritas ao departamento de arquivos da Secretaria-Geral da Mesa (SGM), que faz o registro virtual apenas em rede interna.
O Congresso em Foco teve acesso a quatro desses requerimentos de impeachment. São as mais diversas acusações contra a presidenta. Há quem tenha visto, na atuação presidencial, atentado contra a “unidade da nação” e contra a “estabilidade institucional e jurídica da democracia”; afronta à segurança econômica do país (segundo o requerente, “por depredação marginal” da economia); e desrespeito à “doutrina cristã que produziu a civilização brasileira”. Além de Dilma, ministros, secretários com status similar e demais autoridades da República são alvo em uma das representações – com direito a detalhamento de patrimônio e rendimento salarial de alguns deles, considerados “fortuna” pelo signatário. O salário da presidenta é de R$ 26,7 mil.
Em uma das notificações de arquivamento, Marco Maia é direto e conciso ao desqualificar o “conjunto de provas” oferecido pelo denunciante. “A denúncia não pode prosperar. Em relação às acusações de prática de crime de responsabilidade, observo que o suporte probatório reunido pelo denunciante limita-se a um conjunto de manifestos de sua própria autoria e de observações apostas a matérias de jornal, que comprovam exclusivamente o seu inconformismo com diversos matizes da política governamental. As condutas narradas pelo denunciante não se amoldam aos tipos penais aventados [...]”, argumenta o parlamentar petista. Enfim, para pedir o impeachment, não basta somente discordar do presidente.
Cliente do impeachment
Segundo um técnico da SGM, um dos cidadãos que não querem Dilma no Planalto já é “cliente” do pessoal do protocolo de proposições populares na Câmara. “Ele tenta derrubar todos os presidentes que são eleitos”, brincou. Dos cinco pedidos de impeachment contra Dilma, Celio Evangelista Ferreira, “brasileiro, casado, jurista e empresário” é o autor de três, formalizados sequencialmente em junho, julho e agosto.
Celio denuncia a presidenta e alguns de seus subordinados de alta patente por crime de responsabilidade, vendo na ação do grupo “conduta subversiva e insurreta de governo contra o Estado Democrático de Direito”. O denunciante faz críticas ao PT e ao fato de o partido ter sido um dos opositores da Carta Magna, por ocasião das votações da Assembleia Constituinte, em 1988.
“O PT não ajudou a escrever a Constituição da República, não a promulgou, e, de consequência, não instituiu o Estado Democrático de Direito, e assim permaneceu em seu estado de subversão comunista marginal deflagrado em 1964, contra o qual a nação se defendeu em suas Forças Armadas”, diz ele. O que incomoda Celio é o fato de o PT, na sua opinião, ser “comunista”. “[O PT] permaneceu autopreservado em sua originalidade comunista marginal, totalitária, embusteira, mentirosa e depravada”, registra trecho da denúncia.
“A menina que namora o professor”
Celio não gosta nem de ver Dilma chancelando leis discutidas e aprovadas no Congresso. Como a que criou a Comissão Nacional da Verdade Lei 12.528/2011, (confira a íntegra). Para Célio, a Comissão da Verdade é um “ato institucional de exceção”. Nesse trecho do requerimento, o autor, Celio Evangelista, capricha no caráter nacionalista do discurso.
“Um atentado à Pátria, porque forja declaração de vitória violenta do idelogismo marginal no poder, sobre a nação em punição de esquartejamento de personalidade por exceção macabra (porque não poupa nem os defuntos), nas Forças Armadas, sem que estas possam, constitucionalmente, submeterem-se à capitulação respectiva, porque também é uma agressão insuportável à Pátria, que é a expressão material da unidade nacional”, destaca o autor, para quem Dilma, ao sancionar a lei de acordo com os anseios de seus antigos companheiros de guerrilha contra a ditadura, “está como a menina que conta para a turma que namora o professor, mas ele não sabe disso, porque sua paixão é secreta, por puro medo de se expor”.
Para o denunciante, em apenas um ano de mandato (à época da sanção da lei), Dilma demonstrou “absoluta incompetência para o cargo”, bem como fez da comissão uma espécie de vingança pessoal, ideológica. “Ou seja, oficializou ao mundo a sua vitória no comando da subversão comunista marginal deflagrada em 1964, na qual ela municiou-se do currículo deguerrilheira, sequestradora, terrorista, assaltante, ‘assassina’ [itálico do autor], e impôs rendição à nação nas Forças Armadas. [...] Ou é ‘coisa de gente adulta’ a comandante suprema das Forças Armadas, já sofrível pelo seu currículo de terrorista, submetê-las por uma lei terrorista a terrorismo de esquartejamento de personalidade, por execração moral macabra, que não poupa nem soldados mortos?”, indaga trecho do pedido.
Registrado também em cartório brasiliense, esse requerimento de impeachment “arrola as testemunhas” mais diversas em termos de ofício profissional: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes; a ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon; o senador Pedro Simon (PMDB-RS), e o oficial da Aeronáutica Carlos de Almeida Batista, presidente do Clube Aeronáutico do Rio de Janeiro.
Pelado no “Superpop”
Um dos pedidos de impeachment foi protocolado em cartório em 25 de junho, em Sorocaba (SP), por Alexandre Ferraz de Moraes, morador do bairro Jardim de Santa Cecília. Ele acusa Dilma de crime de responsabilidade e a ela atribui, sem juntar material comprobatório, um caso de violação de intimidade que teria sido verificada no programa Superpop, da Rede TV!, apresentado por Luciana Gimenez. A atração mencionada, diz o denunciante, foi ao ar em abril de 2011.
Na verdade, Dilma foi ao programa de Luciana Gimenez em 2010, quando ainda era ministra da Casa Civil e candidata à Presidência da República. Na ocasião, ela estava de peruca, como consequência do tratamento quimioterápico que fazia para combater um câncer. Ela conversou com Luciana e, entre outras coisas, preparou uma omelete.
Veja trecho do programa em que Dilma prepara uma omelete:
“A denunciada apresentou um vídeo em que este denunciante estava no interior de sua residência sem roupas. Dilma Rousseff violou de forma cruel a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem deste denunciante, que são direitos individuais assegurados na Constituição. Nem mesmo nos tempos da ditadura um presidente do Brasil foi capaz de cometer um ato tão cruel perante os olhos de todo o país. O terrível crime de Dilma Rousseff foi visto por milhões de pessoas [...]”, acusa Alexandre, sem explicar os termos e as razões para a suposta exibição do tal vídeo, e em seguida explicando por que não conseguiu reunir provas.
“Acrescento, ainda, que poderia ter anexado a esta denúncia uma cópia da fita deste programa para provar o crime cometido pela denunciada. Todavia, não tenho recursos financeiros para contratar um advogado para requisitar judicialmente a cópia desta fita, e também informo que procurei a Defensoria Pública de Sorocaba, a qual se recusou a conceder-me um advogado mesmo estando dentro do perfil econômico exigido por esta instituição”, acrescenta o requerente, dizendo-se certo de que o Congresso solicitará uma cópia do programa.
O denunciante diz crer que apenas o seu relato já seria suficiente para condenar Dilma. Mas, não satisfeito, ele passa a fazer referências aos casos de corrupção aflorados desde a posse presidencial, em janeiro de 2011. “Os defensores de Dilma Rousseff poderão dizer em defesa dela que muitos dos envolvidos em escândalos de corrupção do governo atual foram indicações do governo anterior e que Dilma não tem nenhuma responsabilidade sobre isso. Entretanto, onde estava Dilma no governo anterior? [...] Ela era a gestora do governo anterior”, ataca Alexandre, também acusando a presidenta, formada em Economia, de promover um “retrocesso” que estaria refletido nos atuais indicadores econômicos.
Repleta de citações bíblicas, a peça acusatória faz um apelo com viés de advertência: “Dessa forma, neste momento, peço que os líderes religiosos deste Congresso não se ajoelhem diante de satanás, mas que julguem com justiça”, exorta Alexandre Ferraz.
Congresso em Foco
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