O cruzamento de diversos estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que, entre a população mais pobre do planeta, as mulheres são as que mais sofrem com a fome, o desemprego, a falta de educação e a autonomia sobre seus corpos e futuro. Para tentar reverter o destino desfavorável ao qual milhões de crianças estão fadadas apenas por serem do sexo feminino, a campanha "Por ser menina" será lançada nesta quinta-feira (11) simultaneamente em diversas cidades do mundo.
Na quinta também acontece o primeiro Dia Internacional das Meninas, data comemorativa aprovada pela ONU em 2011 e celebrada na véspera do Dia das Crianças. Criada pela organização não-governamental Plan International, a campanha terá duração de cinco anos e pretende afetar positivamente a vida de 4 milhões de meninas em todo o mundo.
"As meninas têm situação de desvantagem. Mesmo que estejam matriculadas na escola, quando chegam em casa, elas vão fazer trabalho doméstico, enquanto os meninos vão brincar e fazer lição de casa", afirmou Anette Trompeter, gerente geral da Plan International no Brasil, na manhã desta quarta-feira, em evento de apresentação da campanha, em São Paulo.
A diferença de oportunidades entre meninos e meninas está retratada em números oficiais. Estatísticas mundiais de agências da ONUcompiladas pela Plan International mostram que 75 milhões de meninas não frequentam a escola, uma em cada três mulheres é impedida de entrar no ensino secundário, uma em cada sete meninas com menos de 15 anos é forçada a se casar, e 150 milhões de meninas já foram vítima de estupro ou violência sexual (o dobro do número de meninos).
Brasil
A edição mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o Brasil tem mais de meio milhão de meninas e adolescentes entre 10 e 19 anos ocupadas na categoria de trabalhadoras domésticas.
Além disso, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, o país tem pelo menos 42.785 crianças entre 10 e 14 anos casadas. Como os recenseadores não conferem documentos, o número equivale a uniões informais e está concentrado principalmente em estados mais pobres brasileiros, como Alagoas e Maranhão, ou unidades da federação com maior incidência de indígenas, como Acre e Roraima. A prática é ilegal e tratada no Código Penal como estupro de vulnerável.
Segundo Anette, no Brasil, a taxa de gravidez precoce em meninas de 14 a 17 anos matriculadas na escola varia entre 5% e 6%, mas esse número chega a 30% no universo de meninas adolescentes fora da sala de aula.
MENINAS E A INFÂNCIA NO BRASIL*
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A Pnad 2011 aponta que mais de 502 mil meninas entre 10 e 19 anos estavam empregadas como domésticas
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No Censo de 2010, 42.785 crianças de 10 a 14 anos foram listadas como casadas
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Segundo a Plan Brasil, a taxa de gravidez em meninas de 14 a 17 anos matriculadas na escola é de 5% a 6%; entre as adolescentes da mesma idade fora da sala de aula, a taxa sobe para 30%
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Fonte: IBGE e Plan Brasil
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Célia Bonilha, hoje com 52 anos, diz que se encaixa neste retrato. Ela se casou aos 15 anos com um homem dez anos mais velho para agradar os avós e porque não via outra opção para ter sua própria vida e o respeito da sociedade. Teve a primeira filha aos 16, a segunda aos 18 e já é avó de Rosa, de 9 anos.
Forçada a abandonar a escola, ela conseguiu voltar a estudar contra a vontade do marido e passou no vestibular com 32 anos de idade, no mesmo ano que sua filha mais velha. Hoje, ela tem pós-graduação e trabalha na Plan International. Sua função é realizar e analisar pesquisas sobre mulheres que também tiveram que escolher a maternidade aos estudos, mas que, ao contrário dela, não conseguiram voltar para a escola, entrar para o mercado de trabalho e romper o ciclo da gravidez precoce (sua filha tinha 24 anos quando planejou ter filhos).
"É como se houvesse uma bifurcação na vida dessas meninas", explica Anette sobre a maternidade e a educação. "Aquelas que entram em um caminho acabam sem ter como descobrir como seria o outro."
Investimento e desenvolvimento
Por outro lado, dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que investir na educação de mulheres dá retorno não só para elas e suas filhas, mas também na comunidade em que vivem. A cada ano que a aluna permanece na escola secundária, seu potencial de renda cresce de 15% a 20%. Além disso, o aumento de 1% da frequência das meninas na educação secundária promove um acréscimo de 0,3% no Produto Interno Bruto (PIB) de um país.
De acordo com a gerente da Plan Brasil, as mulheres ainda ajudam sua comunidade mais que o homens: enquanto elas investem 90% da renda no local em que vivem, o investimento da renda masculina fica em torno de 30% e 40%.
Para estimular a educação de qualidade tanto para meninos e meninas, a ONG realiza atualmente projetos no Brasil para 75 mil crianças -cerca de metade são meninas- no Maranhão, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Há seis anos, a Plan começou a acompanhar a vida de 144 meninas recém-nascidas em nove países (dez delas são brasileiras). Duas delas acabaram morrendo na primeira infância, e as 142 que ainda participam do estudo hoje têm seis anos.
Os dados qualitativos coletados com as meninas, suas famílias e suas comunidades servem para ilustrar a realidade delas e as mudanças percebidas entre essas crianças e suas mães.
A campanha lançada nesta semana pretende atingir diretamente, nos próximos cinco anos, outras 35 mil meninas com iniciativas da campanha.
A iniciativa inclui intervenções políticas junto às secretarias municipais e estaduais de educação, a mobilização e conscientização da sociedade e a realização de pesquisas. Segundo Célia, apesar da existência de muitos estudos, as estatísticas ainda não revelam detalhes sobre algumas faixas etárias. "Entre os 6 e os 14 anos, é como se a menina desaparecesse, como se fosse colocada em uma caixa fechada. Queremos fazer estudos para realmente ouvir o que elas têm a dizer."
G1
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