quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um recado neste Natal


Eu compro xampu pelo rótulo. Eu compro cremes pelo invólucro. Cores e design me ganham de primeira. Depois vem a crítica. Eu só disse isso para contar que nunca tinha comprado um livro pela capa, muito menos pelo título. Ontem eu comprei.
 Papelarias e livrarias me seduzem, sinto-me tentada pela fileira de prateleiras e livros novinhos esperando que eu vá folheá-los. Sempre preciso frear meu ímpeto de adquirir coisas toda vez que entro numa livraria grande. Para me conquistar, a livraria precisa ser grande, cheia de corredores e sofás. Se for pequena, eu me sinto expulsa e lá não fico.
 Eu me perco na diversidade porque vou cruzando com os escritores que gosto, com os livros dos quais já me falaram mas eu não li, reencontro edições novas de livros já lidos há muito tempo e assim sigo como se estivesse numa festa reencontrando velhos conhecidos, ou pessoas que eu gostaria de conhecer melhor, mas não pude por falta de oportunidade.
 Os livros chegam a mim por alguma referência como se fosse um passo imprescindível para desfrutar da minha intimidade. Mesa de cabeceira é algo muito íntimo. Por isso jamais compro só pelo título.
 Ontem eu comprei.
 O que o título tinha de especial? Um recado sem atalhos. Li a contracapa para saber do que se tratava. Romance. A capa tem um desenho lindo, sem brilho, fosco. Compro ou não compro? Escritora sul-coreana? Na pressa, eu não queria folhear a história mas precisava saber o que era. O que importa? Pensei.
E se eu não gostar, parar de ler, for chato?
Abri. Li um trecho. Gostei. Li outro. Gostei de novo. Ah, vou comprar, se for ruim, valeu pelo título.
 ”Por favor, cuide da mamãe”, da escritora sul-coreana Kyung-Sook Shin, é o livro que vou ler no apagar das luzes deste ano. Este livro já vendeu mais de 1,5 milhão de cópias, informam as orelhas da publicação, a primeira da moça no Brasil.
 Faz pouco tempo perdi uma pessoa muito querida. Minha segunda mãe, a madrinha que minha mãe e meu pai escolheram para mim.
 Não posso rotular de precoce a morte de uma senhora de 82 anos, mas a morte sempre me soa precoce. Ela era uma pessoa sorridente, feliz e cheia de planos. Aos poucos me livro do ímpeto de sofrer pelos sonhos não realizados por ela e me foco nas realizações. Muitas.
 Quando uma pessoa amada parte dessa vida, a gente inevitavelmente faz uma retrospectiva em busca do tempo desperdiçado, num exercício inútil que só aumenta a tristeza. É como se toda memória precisasse ser validada por um certo remorso. Bobagem. Todo tempo parecerá curto a quem ama.
 Por isso o título me pegou. Cuide da mamãe. Quero olhar para ele todo dia e substituir mamãe por todos que importam para mim.
O que eu  queria dizer para vocês, neste Natal, é cuide de quem você ama. Sempre.
Revista Época
Isabel Clemente é editora de ÉPOCA no Rio de Janeiro.


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