quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

EXPOCATADORES 2012 - Reciclagem sob o comando dos movimentos sociais


SOUTO FILHO
soutofilho@oestadoce.com.br
Os catadores de resíduos sólidos e cooperativas ligadas ao setor tiveram a última semana cheia de discussão e debates. Isso porque associações e trabalhadores de todo o Brasil e América Latina participaram da 3o Edição da Expocatadores 2012, realizada entre os dias 28 e 30, em São Paulo. O encontro teve como objetivo a valorização profissional dos catadores de materiais recicláveis e o fortalecimento de suas ações na cadeia produtiva de recicláveis, além de discutir novas tecnologias sociais na área de reciclagem e referendar a profissionalização do catador como negócio inclusivo solidário.
O evento foi promovido pela Associação Nacional dos Carroceiros e Catadores de Materiais (ANCAT) e pelo Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR), e contou ainda com a parceria da Fundação Banco do Brasil. Do Ceará várias associações ligadas ao setor se fizeram presentes. Entre elas, a Rede de Catadores de Resíduos Sólidos do Estado que mandou sua diretoria para participar da integração nacional e internacional.
A tesoureira da entidade, Francinete Cabral Lima, ressaltou que a Expocatadores é fundamental para integrar diversos grupos do setor e desenvolver a troca de experiências positivas quanto à estruturação e organização das cooperativas, associações e os próprios catadores.
Francinete, que também é presidente da Sociedade Comunitária de Reciclagem de Lixo do Pirambu (Socrelp), salientou que a Rede sempre se preocupou em participar de eventos como este para procurar alavancar ainda mais a situação dos trabalhadores e trazer novas iniciativas que ajudem a organizar a área da reciclagem. Entretanto, ela lamentou a falta de “vontade” de alguns empresários e catadores em querer transformar o ofício em um negócio mais eficiente.
“Muitos [catadores] não acreditam que as cooperativas e associações estão aí para ajudá-los. Nós já temos pouco incentivos do governo, se não tivermos deles aí é que a coisa não vai andar mesmo.
Mas temos várias entidades que já estão tentando se organizar e fazem um trabalho muito bacana na questão da coleta seletiva. Mas ainda temos que melhorar muito”, destacou a tesoureira, enumerando que, em Fortaleza, existem 16 associações de catadores.
FALTA DE CAPACITAÇÃO É CULPADA
Segundo Francinete, outro ponto que propicia a pouca organização é a falta de capacitação para os trabalhadores do setor. Ela lamentou que muitos ainda são analfabetos, provando a escassez de incentivo para modificar o setor e transformar, para melhor, o mercado da reciclagem.

“No próprio Fortal, somos nós que tentamos organizar o recolhimento do lixo dentro dos blocos. Mas, infelizmente, os próprios catadores acabam desorganizando o trabalho por não saberem como proceder. Tentamos formar uma estrutura para isso, mas ainda não está caminhando com as próprias pernas”.
Por outro lado, a Francinete acredita que outro cenário, este sim, mais esperançoso, pode estar por vir. Para ela, a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) pode trazer inovações e uma nova perspectiva para o setor. “Acredito que esta nova política é bastante positiva. Ela vai incluir os catadores, desenvolver a coleta seletiva e melhorar as condições de trabalho”.
EXPOCATADORES 2012
A Fundação Banco do Brasil (FBB) é um dos principais incentivadores do evento. O presidente da Fundação, Jorge Streit, revelou que nos últimos dez anos houve um grande avanço do setor. Para ele, neste período foi possível estabelecer algumas cooperativas de catadores de material reciclável, adquirir equipamentos e avançar na capacitação dos catadores. A Fundação Banco do Brasil investe na cadeia produtiva da reciclagem desde 2003.
“Contudo, em torno de 80% dos catadores ainda estão trabalhando de forma independente, isolados, sem fazer parte de alguma cooperativa. Junte-se a isso a legislação brasileira, que é arcaica e não favorece o ‘empoderamento’ dos movimentos sociais. Ainda temos uma barreira de desenvolvimento nos setores que são mais fragilizados”.
A Expocatadores 2012 contou com a participação de mais de 1.500 catadores de 25 estados brasileiros, e de delegações de 12 países da América Latina, da Índia e da África do Sul. Para o presidente da FBB, o intercâmbio é importante na medida que a organização, no Brasil, é uma das mais avançadas do mundo. “No momento em que eles passam a se encontrar e trocar informações é muito positivo para qualquer movimento social”.

CATADORES: NÚMEROS DO MERCADO
• No Brasil  são mais de 1 milhão de catadores no Brasil, sendo 85 mil pertencentes ao MNCR.
• Os catadores são responsáveis pela coleta de 90% de tudo o que é reciclado atualmente no Brasil.
• Cada catador (a) chega a coletar 3 toneladas/mês de material reciclável.
• Somados, são cerca de 1.100 organizações de catadores em todo o Brasil.

Sobre a FBB
A Fundação Banco do Brasil (FBB) investe na cadeia produtiva da reciclagem desde 2003, promovendo a inclusão social dos catadores de materiais recicláveis, em ações de geração de trabalho e renda e de educação.
Desde 2010, por meio do Projeto Cataforte, a FBB realiza ações em 20 estados brasileiros e no Distrito Federal, a fim de melhorar as condições de trabalho, a organização coletiva e a qualidade de vida das famílias dos catadores de materiais recicláveis.

O ESPECIALISTA RESPONDE
Duas questões são fundamentais para que as discussões em torno do complexo setor da reciclagem comecem a ter novos rumos. Jorge Streit esclarece essas questões.

[O estado Verde] No Decreto Lei 7.404 de 23 de dezembro de 2010 (última Lei sancionada pelo ex-presidente Lula) e que trata da Coleta Seletiva, em seu artigo Art. 11 afirma que “o sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos priorizará a participação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda”. Você acredita que isso realmente será possível?
[Jorge Streit] Será possível na medida em que esses apoios todos anunciados forem se concretizando. Vários editais para dar estrutura para cooperativas foram lançados em diferentes órgãos federais, estaduais e municipais. A Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), por exemplo, realiza editais em parceria com os estados. Há, ainda, recursos do Projeto Cataforte, da Fundação Banco do Brasil, que prevêem a aquisição de equipamentos, a realização de capacitação e organização de redes de cooperativas de catadores.
Há grande perspectiva de apoio e fomento do governo federal e também há as políticas públicas nos estados e municípios.  Mas, para isso acontecer, precisamos do esforço de todos. É necessário ter cooperativas para poder participar dos editais. Se isso tudo vai acontecer dentro do prazo estabelecido pela lei é difícil prever.  As cooperativas têm que ser protagonistas e assumir o papel na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Também há fatores que independem de nós: a legislação do cooperativismo é um caso.

[OeV] O senhor acredita que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) já está trazendo consequências negativas ou positivas ao setor?
[Jorge Streit] Vai ser decisiva a postura da nova safra de prefeitos eleitos. A prefeitura tem responsabilidade muito maior do que qualquer ente na PNRS. A coleta do lixo é responsabilidade do prefeito. O prazo de dois anos que falta para o cumprimento da lei trará muitos desdobramentos para se ajustar às exigências da coleta seletiva. Irá causar muito impacto na economia: bancos com linhas de crédito específicas para a aquisição de novos equipamentos, por exemplo. A Lei é muito detalhada e estabelece obrigações muito grandes. A logística reversa vai forçar as empresas a mudar muita coisa no seu ciclo produtivo.

Jornal O Estado

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