sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Amor desvairado em Hipólito


NATALÍCIO BARROSO
Da Redação
Trezena ficava a Nordeste do Peloponeso. Expulso de Atena porque havia matado um parente, Teseu foi para Trezena com a mulher, Fedra, e os filhos. Dentre eles, Hipólito, filho do herói grego com uma Amazona e não com Fedra. Apaixonada por Hipólito, filho de Teseu, desde a primeira vez em que o viu na casa de Piteu, bisavó de Hipólito, Fedra não suportava mais tamanho sofrimento. Mas, como queria ocultar esse mal porque, para ela, valia mais uma boa reputação do que uma má fama, ficou calada.
A ama de Fedra, no entanto, cujo nome Eurípides não revela, procura desvencilhar Fedra da situação difícil na qual se encontrava. Mas não consegue. Como não sabe da paixão que Fedra nutria pelo filho do marido, procura, de todas as maneiras, arrancar este segredo dela. Mas não consegue. Tomada pelo desespero, porém, e instigada pela ama, Fedra acaba contando tudo. A ama, quando soube do que se tratava, achou que teria sido melhor, de fato, que Fedra não tivesse falado mas, como falou, ela se achava com o direito de remediar aquilo tudo. E a melhor forma que achou foi a de contar, para Hipólito, o que estava acontecendo.
Hipólito, quando soube das intenções de Fedra (por mais que ela escondesse isso) ficou indignado e, se afastando da ama, que procurava se aproximar dele, falava com ela de longe. Fedra, enquanto isso, ouvia as ponderações da ama e as admoestações de Hipólito de uma sala ao lado do palácio. Quando percebeu que seu segredo tinha sido revelado e que Hipólito havia reagido com violência, ficou com medo. Teseu, certamente, tomaria conhecimento daquilo tudo e, quando isso acontecesse, ela estaria perdida. Fedra, portanto, tomou uma decisão difícil. Resolveu se matar para, no caso de Teseu saber, não ter como se vingar. Mas, como também queria preservar o seu nome, fez algo que não deveria ter feito. Escreveu, em uma tabuleta, o nome de Hipólito e o acusou de ter tentado macular o leito do marido.
Teseu, quando viu a mulher enforcada e descobriu aquela tabuleta nas mãos dela, ficou indignado. Chamou Hipólito, aos berros, e o amaldiçoou. Hipólito tentou se defender, mas não conseguiu. Teseu, revoltado, mandou Hipólito para fora de seu reino (fosse ali em Trezena ou em Atena) e o censurou duramente. Hipólito, como não tinha como se defender nem para onde ir, se encontrou com alguns amigos e foi para a praia. Teseu, enquanto isso, apela para o pai, Poseidon (apesar de, muitas vezes, ser considerado o filho de Egeu) e implora a ele para matar o próprio neto. Poseidon, como havia prometido atender a três pedidos do filho, não se recusa a atender aquele, por mais repugnante que lhe parecesse.
Assim, matou Hipólito. Atirou uma onda gigante na praia onde Hipólito se encontrava com os amigos e, para que o neto não sobrevivesse, fez saltar um touro de dentro dela para que não pudesse voltar para Trezena. Hipólito, quando viu aquilo, ficou desesperado e, como estava em um carro puxado por dois cavalos, tentou, de fato, voltar para o palácio, mas, como não conseguiu, porque o touro não deixou, o carro, no qual se encontrava, bateu com as rodas em alguns rochedos e se espatifou todo para desespero dos amigos de Hipólito, que viam aquilo tudo, e do próprio Hipólito que, quando caiu do carro, já estava praticamente morto.
Com a vida de Hipólito em perigo, um dos amigos foi até o palácio avisar Teseu sobre o ocorrido. Teseu, quando ouviu aquilo tudo, percebeu que Poseidon, de fato, o havia atendido e ficou feliz com isso. Artêmis, no entanto, estava revoltada. Como Hipólito era um de seus adeptos mais queridos, Artêmis apareceu no palácio de Teseu e contou a ele tudo o que havia acontecido. A paixão de Fedra por Hipólito, segundo ela, não era legítima porque, como tinha sido inspirada por Afrodite, Fedra não passava de um simples joguete nas mãos dela para, dessa maneira, castigar Hipólito porque era o mais casto dos homens. Teseu, quando ouviu isso, ficou chocado e mandou buscar o corpo do filho imediatamente por seus amigos. Hipólito, assim que chegou no palácio, ainda estava vivo. Conversando com o pai, antes de morrer, os dois chegaram à conclusão de que tinham sido vítimas, de fato, de uma crueldade de Afrodite e, por isso, não tinham por que se culpar mutuamente.
Com o fim da tragédia, Eurípides deixa transparecer algo que está presente em quase todas as suas peça. A luta desvairada da castidade contra a concupiscência. Assim como Medeia, quando louva a castidade como a única forma de se atingir a felicidade, Eurípides, com Hipólito, faz o mesmo. O próprio Hipólito pergunta a Zeus, a certa altura, por que não arranjou um outro meio de engendrar os seres humanos diferente daquele no qual os homens e as mulheres têm que compartilhar o mesmo leito.
Considerada a primeira peça, na Idade Antiga, a tratar do sexo não apenas como uma forma de procriação, mas como uma força da natureza capaz de subjugar o ser humano a todo tipo de humilhação, Hipólito, de Eurípides, é uma peça que mostra o quanto o ser humano é o mesmo em todos os tempos e lugares. Esteja ele manejando uma biga, em Trezena, como Hipólito ou pilotando um avião nos céus de Fortaleza.
Serviço
• Livro: Hipólito. Coleção: Kouros. Autor: Eurípides.Tradutor: Flávio Ribeiro de Oliveira. Editora: Odysseus. Assunto:  Teatro. Preço: R$ 28,00.

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