sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Da Vinci ainda guarda segredos


AUTORRETRATO Leonardo por ele mesmo. Desenho sobre papel feito por volta de 1515 (Foto: The Art Archive/Private Collection Italy/Gianni Dagli Orti)Quem é o maior gênio da humanidade? A pergunta traz à mente nomes como Einstein, Newton, Bach, Aristóteles, Shakespeare, Darwin ou Galileu. Eles enxergaram a realidade, a natureza e o comportamento humano de um modo que vai além do senso comum. Ao criar teorias e obras-primas, revolucionaram as ciências, as artes e nossa visão de mundo. Entre esses seres humanos notáveis, Leonardo da Vinci (1452-1519) foi o maior de todos. Essa ao menos é a tese do físico e escritor austríaco Fritjof Capra, de 73 anos. Famoso pelo livroO Tao da física, de 1975, que vendeu 1 milhão de exemplares, Capra lança agora A alma de Leonardo da Vinci (Editora Cultrix, 424 páginas, R$ 54), biografia científica em que enumera 100 grandes invenções e descobertas que o gênio florentino antecipou em segredo – e com uma extensão que só agora começamos a compreender.
Leonardo foi um dos maiores criadores de todos os tempos, com os pés (e a imaginação) solidamente plantados nas artes e na ciência. O sorriso da Mona Lisa permanece tão enigmático hoje quanto há cinco séculos, quando foi pintado. A história da arte não seria a mesma se Leonardo não tivesse existido. E sua obra vai além. Leonardo foi escultor, arquiteto, cientista, inventor, músico, engenheiro, botânico, anatomista, físico, cartógrafo, geólogo, escritor e filósofo. Um polímata, um Homo universalis, como se dizia no Renascimento. Hoje sabemos que ele antecipou em 500 anos a invenção do avião, do helicóptero e do submarino, embora seus contemporâneos não soubessem dessa faceta premonitória do mestre. Suas descobertas científicas não foram publicadas enquanto ele viveu, ainda não se sabe por quê. Se fosse diferente, é provável que tivessem influenciado cientistas como Galileo e Newton.
“A ciência não nasceu há 400 anos com Copérnico e Galileu”, disse Capra a ÉPOCA. “Leonardo foi o primeiro cientista. A ciência moderna começou com ele.” A afirmação vai contra a opinião vigente dos historiadores da ciência, segundo a qual o método científico, baseado na observação dos fenômenos naturais e na busca de hipóteses para explicá-los, consolidou-se com o pensador Francis Bacon no século XVII. “Leonardo inventou o método científico. Formulava hipóteses a partir da observação dos fenômenos naturais para, em seguida, comprová-las ou desbancá-las, sob o crivo da experimentação”, diz Capra.
Diferentemente da maioria dos cientistas atuais, que procura analisar os fenômenos naturais de forma isolada, Capra pertence a uma corrente que ficou conhecida como “nova era”. Seus defensores buscam explicações para os fenômenos físicos a partir de sua interação com a biologia e o ambiente. O maior representante dessa corrente é o ambientalista britânico James Lovelock, que propôs a “hipótese Gaia”, segundo a qual a Terra funciona como uma entidade viva. A geologia e a vida são indissociáveis, diz ele. Uma não existe sem a outra. Tal visão orgânica do mundo e dos fenômenos naturais, diz Capra, está no cerne da ciência de Leonardo. Ele escreveu proposições científicas como: “Para apresentar a verdadeira ciência do movimento dos pássaros no ar, é necessário primeiro apresentar a ciência dos ventos”. Quando imaginava uma postura para uma de suas madonas, no desejo de retratá-la do modo mais fiel possível, corria a dissecar corpos. Buscava entender o funcionamento dos músculos. Da mesma forma, para pintar um rio caudaloso, investigava o fluxo e a dinâmica dos fluidos. Ao fazê-lo, incorporava à sua pintura conceitos que só começaram a ser investigados pela ciência nos anos 1960, como os fractais ou a teoria do caos.
ESTUDOS DE LEONARDO 1. A representação até então inédita de um feto no ventre materno (c. 1510-1512) 2. Lírio- branco (c. 1472-1475), obra-prima do desenho botânico 3. O protótipo de uma máquina militar (sem data) baseada num moinho, resultado do estudo d (Foto: Getty Images, AP e divulgação)
Capra conta com evidências de peso para sustentar sua tese da primazia científica de Leonardo. Mostra que ele enunciou o princípio da ação e reação – aquele mesmo que prega que toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em sentido contrário – 180 anos antes de Newton formular sua Terceira Lei, de 1687 (leia o quadro abaixo). Leonardo também antecipou Galileu no campo da engenharia militar. Em 1609, ao estudar os disparos da artilharia veneziana visando à melhora da pontaria, Galileu descobriu que a trajetória de qualquer projétil desenha no ar uma parábola. Os cadernos de Leonardo comprovam que chegara à mesma conclusão em 1502. “Leonardo não tinha as ferramentas matemáticas para calcular as parábolas das balas de canhão”, diz Capra. “Ele usou sua engenhosidade para estudar jatos d’água, cuja trajetória pode ser facilmente vista.” Quase 150 anos antes de William Harvey, um dos fundadores da medicina moderna, Leonardo descreveu o funcionamento do batimento cardíaco. Quatrocentos anos antes de Darwin, descobriu a capacidade das plantas de se movimentarem em resposta a estímulos ambientais, característica que chamamos tropismo. Quatrocentos e cinquenta anos antes dos cosmologistas do século XX, intuiu corretamente a “seta do tempo”, termo usado para definir que o tempo é unidirecional e transcorre apenas num sentido, do passado para o futuro.
Quando morreu, em 1519, sua obra científica estava reunida em diversos cadernos, que, segundo os estudiosos, totalizavam 12 mil páginas de anotações recheadas de ilustrações, das quais apenas 6 mil foram encontradas. À medida que o conteúdo de seus cadernos era descoberto e revelado, ao longo dos séculos, a aura da genialidade de Leonardo emergiu. “É terrível saber que metade da produção científica dele se perdeu”, diz Capra. “Nos últimos 500 anos, todas as descobertas de Leonardo da Vinci foram sendo redescobertas.” Apesar disso, é inevitável imaginar qual teria sido o impacto de sua obra sobre a ciência moderna se suas descobertas tivessem sido publicadas em vida. “Gosto de imaginar que a ciência moderna teria se desenvolvido de forma menos mecanicista e mais humana.”
  

Revista Época

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