segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Empresária abriu mão de uma vida glamurosa para recuperar bichos abandonados


ADOÇÃO Joelma Dvoranovski, no Clube dos Vira-Latas, em Ribeirão Pires, São Paulo. Ela  procura um lar para mais de 1.000 cães abandonados tratados na ONG (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)A farmacêutica paulista Rosana Borges, de 50 anos, não contém as lágrimas ao falar sobre seu cachorro, Duke, de 5 anos. No Réveillon de 2007, dias depois de adotar o vira-lata, ela o levou à casa dos pais. Fazia dois anos que seu pai, vítima de uma doença degenerativa, perdera os movimentos do corpo. Ele sobrevivia numa cadeira de rodas. Assim que chegou, Duke se pôs a lamber todo mundo, inclusive o pai de Rosana. Foi quando ele se mexeu. “Foi incrível, eles criaram uma relação na hora. Meu pai morreu oito meses depois, e Duke o procurou pela casa inteira”, diz ela. “Uma moça chamada Joelma resgatou Duke da rua, dias antes de eu adotá-lo. Ele é a melhor coisa que me aconteceu.”
Joelma Dvoranovski, de 34, é uma empresária loira e alta, que usa roupas de marca, ministra palestras sobre luxo e adora viajar. Jô, como é conhecida, já esteve em 60 países. Ela gosta também de visitar um lugar malcheiroso, barulhento e sujo de terra em Ribeirão Pires, no interior paulista. Por lá, vivem mais de 400 cães sem dono, como o pequeno Duke. É o endereço da sede do Clube dos Vira-Latas, uma organização não governamental da qual Jô é diretora desde 2006.
O trabalho da ONG, a 13ª mais curtida no Facebook no mundo todo, é resgatar e tratar cachorros abandonados e encontrar alguém que os adote. A própria Jô é uma das encarregadas de recolher os animais das ruas. Quando descobriu Duke, ela dirigia numa das avenidas mais movimentas de São Paulo. Parou seu carro – e o trânsito – ao avistar o cachorro com queimaduras pelo corpo. Correu atrás do bicho e o botou para dentro do carro.
Há muita gente que se denomina amante e protetora dos animais. O trabalho de Jô está entre aqueles que exigem uma dose extra de afeto e dedicação. Toda semana ela convive com cães ensanguentados, aleijados e raivosos. É assim que a grande maioria deles chega ao Clube. Jô se tornou uma especialista em cuidar deles depois de virar vítima de seu próprio cachorro.
Foi em 2001, quando ela levou o cão de estimação Hotan, um chow-chow de 2 anos que ela viu nascer, a uma viagem aos Estados Unidos. Chegando lá, foi surpreendida por Hotan, que avançou no seu rosto. O ataque deixou Jô desfigurada. Segundo ela, sua face foi reconstituída depois de 70 pontos cirúrgicos e um implante de nariz. “Foi horrível. Ainda mais porque eu era uma perua, toda vaidosa.”
Com a autoestima prejudicada e com amigos e parentes insistindo para que ela sacrificasse seu cão, Jô diz que “acordou”. “O acidente soou como um ‘hello?’. Percebi ali como meu cotidiano era fútil.” Casada com um empresário bem-sucedido, Jô – que é formada em nutrição e chegou a cogitar atuar com merenda escolar quando solteira – não trabalhava e dedicava seu tempo a compras e passeios glamourosos.
Ela diz que abandonou essa vida depois do episódio com Hotan. Decidiu internar o cão num centro de reeducação e se matriculou num curso de administração do Terceiro Setor. Começou uma busca por ONGs que pudesse ajudar. Achou um lugar precário, que abrigava cães abandonados, fundado e administrado por uma senhora, dona Cida, que morreu em 2010. Já conhecido como Clube dos Vira-Latas, o canil contava apenas com a boa vontade da dona para funcionar. Havia no máximo três funcionários voluntários, que mal davam conta de tarefas como alimentar e dar banho nos animais. Sem divulgação para conseguir doações e mais voluntários, dona Cida se atrapalhava até na contabilidade. “Se chegava uma doação de R$ 10 mil, ela gastava tudo de uma vez comprando a ração mais cara da prateleira. Em um mês, os cachorros não tinham nem o que comer”, diz Jô. 
Ela uniu seus conhecimentos em gestão às boas intenções de dona Cida. Investiu dinheiro do próprio bolso. Depois de um tempo, também conseguiu doações para contratar e registrar funcionários e construir novos canis. Também deu ao lugar um pouco de seu estilo. Inspirada na cromoterapia – técnica que usa cores para diversos tratamentos –, ela pintou os canis de matizes diferentes. Os cães são divididos de acordo com suas personalidades. Os mais ariscos ficam no verde, cor que acalma. Aos cabisbaixos, o canil laranja ajuda a despertar o ânimo. Também há canis rosa, amarelos, azuis e lilás. Jô espalhou plantas perfumadas para disfarçar o cheiro de urina e fezes. Cultiva árvores frutíferas para dar sombra aos bichos e ajudá-los a manter a calma.
Até os cachorros que foram mais maltratados saem do Clube com o temperamento melhor. Em 2009, Hanna, uma fêmea de american staffordshire terrier, foi encontrada amarrada aos trilhos de uma ferrovia. Chegou ao Clube com uma fratura numa das patas, assustada e agressiva. Dois anos depois, o gerente de treinamento Leandro Sartini, de 41 anos, a adotou. “Ela estava muito bem tratada”, diz. “Não há resquício algum da agressividade.”
Hoje, o Clube tem 22 funcionários e trata mais de 1.000 cães em duas unidades. No ano que vem, abrirá mais uma, num terreno doado de 20 mil metros quadrados. “Quero fazer a diferença. Morder cada oportunidade para fazer o bem, da mesma forma como tudo começou.”
 Revista Época

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