sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Amigas feridas de Malala voltam à escola

KATHY GANNON
DA ASSOCIATED PRESS, EM MINGORA (PAQUISTÃO)


Os sonhos se repetiram durante um mês. A voz, os tiros, o sangue. Sua amiga Malala caída.
Shazia Ramazan, 13 anos, foi ferida pelo mesmo pistoleiro do Taleban que atirou em sua amiga Malala Yousufzai. Ela retornou para casa na semana passada, depois de passar um mês no hospital, onde teve que reaprender a usar sua mão e seu braço esquerdos. As memórias das balas do Taleban que a feriram permanecem, mas Shazia saúda o futuro.
"Por muito tempo pareceu que o medo estava em meu coração", ela contou. "Eu não podia fazer nada. Mas agora não sinto medo." Ela esfregou sua mão esquerda, atravessada de lado a lado por uma bala, logo abaixo do polegar.
Anja Niedringhaus - 14.nov.12/Associated Press
A estudante paquistanesa Shazia Ramazan, 13, posa para foto em sua casa, na cidade de Mingora, no vale do Swat
A estudante paquistanesa Shazia Ramazan, 13, posa para foto em sua casa, na cidade de Mingora, no vale do Swat
Agora Shazia e sua amiga Kainat Riaz, que também foi atingida, estão voltando à escola pela primeira vez desde o ataque de 8 de outubro, em que um homem do Taleban abriu fogo contra Malala diante da Escola Feminina Khushal, ferindo Shazia e Kainat na saraivada de balas.
O Taleban atacou Malala devido à objeção declarada e constante dela à interpretação regressiva que o grupo faz do islã, que obriga as mulheres a ficar em casa e impede meninas de ir à escola.
Malala ainda está passando por tratamento médico e não pode voltar para casa. Mas, entre suas amigas em sua cidade natal de Mingora, no idílico vale do rio Swat, ela é vista como heroína.
"Malala foi muito corajosa e sempre foi amiga de todo o mundo. Temos orgulho dela", disse Kainat, 16 anos, envolta num grande lenço roxo e sentada sobre uma cama tradicional de cordas. Sua mãe, a profissional de saúde Manawar, estava sentada ao seu lado. Elogiando a coragem da filha, falou, sorrindo: "Ela puxou a coragem de mim". Embora seja conservadora e não tenha se deixado fotografar, ela criticou os ataques à educação para meninas e avisou que o Paquistão vai fracassar se as meninas não puderem estudar.
Kainat, descendente de uma longa linhagem de educadores em sua família, está ansiosa por voltar à escola. "Quero estudar. Não tenho medo", disse ela.
Mas as autoridades querem evitar riscos. Policiais armados foram enviados para as casas de Shazia e Kainat e vão escoltar as duas à escola.
A casa de Kainat fica escondida atrás de muros altos, com portões de aço de quase três metros de altura, num bairro de construções quadradas de cimento marrom. Um esgoto malcheiroso a céu aberto corre ao longo da rua patrulhada por policiais armados que olham para todo o mundo com desconfiança.
Diante da casa de Shazai, um policial usando colete à prova de balas descansa numa cadeira de plástico, com um Kalashnikov sobre os joelhos. Três policiais patrulham uma ruela estreita nas proximidades, ao lado da qual ardem fogueiras sobre as quais são fervidos tonéis de óleo quente e preparados doces pegajosos.
Shazia, que tem a ambição de tornar-se médica do exército, é uma adolescente teimosa. Ela não quer a escolta policial.
"Eles dizem que preciso da polícia. Mas eu digo que não preciso", ela protestou, empurrando os óculos sobre seu nariz. "Não quero que a polícia venha comigo à escola, porque assim eu vou me destacar entre as outras estudantes. Mas eu não devia me destacar."
Na escola, as estudantes criticam o Taleban e exibem um pôster gigante de Malala. A escola, que tem mais de 500 alunas, fechou suas portas apenas brevemente no auge do domínio do Taleban sobre a região, em 2008 e no início de 2009. Foi nessa época que Malala começou a escrever seu blog, registrando seu repúdio aos decretos do Taleban proibindo as meninas de ir à escola.
Embora mal tivesse 9 anos na época, Shazia se recorda de tudo.
"Foi um tempo muito ruim", disse ela, com a cabeça coberta por um lenço cor-de-rosa. "Em comparação com aquela época, agora é um tempo ótimo. Estamos fortes."
Tanto o exército quanto a polícia estão de guarda diante da escola, cujo nome significa "feliz", e jornalistas não foram autorizados a passar por seus portões de ferro pretos até a semana passada, quando foi autorizada a entrada de uma repórter e um fotógrafo da Associated Press. As autoridades tinham medo de chamar a atenção, mas, dentro da escola, as alunas pareciam estar despreocupadas, oferecendo palavras de apoio a Malala e dizendo que não têm medo de ir à escola.
Mesmo as mais tímidas entre elas cochichavam no ouvido de uma amiga: "Diga a ela que eu não vou parar de estudar".
Cada manhã a diretora da escola transmite às alunas um boletim sobre estado de saúde de Malala.
"Ela está melhorando a cada dia que passa. Ela pergunta sobre nós todas e o que estamos fazendo", falou Mahnoor, 15 anos, uma das melhores amigas de Malala. "Quando aconteceu, ficamos chorando e rezando. Não estávamos preocupadas por nós mesmas, só por ela."
Emar, de 12 anos, falou a respeito do Taleban: "Eles pensam que ela é menina, portanto não pode fazer nada. Estão pensando que apenas meninos podem fazer coisas. Estão enganados. Garotas podem fazer qualquer coisa."
Falando em inglês e com voz forte, Gulranga Ali, 17 anos, disse que as alunas ganharam coragem com o exemplo de Malala e que todo o mundo está vindo à escola. Ninguém está ficando em casa. Para ela, o ataque fez o país voltar-se contra os extremistas, e agora todas as meninas e as crianças estão dizendo que querem ser Malala.
O pai de Malala diz que a família vai retornar ao Paquistão quando sua filha se recuperar o suficiente.
Mas até mesmo as colegas de classe dela temem por sua segurança. "Acho que ela não vai mais vir estudar em Swat. Não estará em segurança aqui. Agora ela é uma celebridade", falou Gulranga.
Há preocupação crescente com o fato de que o atacante de Malala não foi preso, que o ultraje provocado em todo o Paquistão pelo ataque a ela já diminuiu, sem que tenham ocorrido mudanças substanciais, e que o medo vá impedir mudanças reais.
Um amigo íntimo do pai de Malala, Ahmed Saeed, falou que os políticos e o establishment militar paquistanês ainda precisam decidir se vão apostar na visão de mundo de Malala ou na do Taleban. Ele informou que a adolescente será submetida a outra operação em três meses para reconstruir seu crânio, mas que já está andando, falando e conversando com sua família.
Na semana passada, numa iniciativa saudada como um primeiro passo em direção ao ensino obrigatório para meninos e meninas no Paquistão, o Parlamento aprovou uma lei que faz com que seja crime impedir um filho de estudar. Os pais infratores podem ser multados em mais de US$500.
Mesmo assim, no início do mês o Taleban atacou um ônibus com meninas das regiões tribais que estavam voltando da escola, jogando ácido no rosto das meninas. Em comunicado à imprensa, o Taleban acusou as garotas de aderir ao Ocidente por meio da educação.
"Não sei se isto [o ataque a Malala] fez o Paquistão mudar", disse o pai de Shazia. Mesmo assim, ele quer que sua filha continue a estudar.
"Agora quero ser um exemplo para as outras garotas", disse Shazia. Eles [o Taleban] não podem nos impedir de ir à escola."
Kathy Gannon é correspondente regional especial da AP para o Paquistão e Afeganistão. Para comunicar-se com ela: www.twitter.com/kathygannon.
Tradução de CLARA ALLAIN
Folha de S. Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...