quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Amor e ódio a Carlos Marighella

Livro do jornalista Mário Magalhães faz revelações, narrando de forma romanceada a história do guerrilheiro

Com uma vida intensa e inspiradora, Carlos Marighella - um dos militantes mais influentes da esquerda brasileira, mentor da guerrilha urbana que fazia frente armada contra a ditadura militar de 1964 - é objeto da também intensa biografia "Marighella - O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo" (2012). Escrito pelo jornalista Mário Magalhães, o livro será lançado, amanhã, a partir das 19 horas, dentro da programação da semana em homenagem ao guerrilheiro, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC).
 
O autor do livro sobre Marighella destaca a sua importância como ideólogo dos movimentos contestatórios da América Latina: Che Guevara brasileiro

Amado e odiado por suas posturas e atuação política, Marighella foi alvo de nove anos de trabalho do jornalista, que reconta sua história desde garoto, apaixonado por livros, filho de um mecânico italiano com uma negra; seu carisma e sagacidade de juventude; ao homem idealista, atuante e bem relacionado que colecionava amigos e inimigos políticos de peso.

São 580 páginas de história para recompor os quase 58 anos de idade. Marighella morreu um mês antes de seu aniversário, no dia 4 de novembro de 1969. Morte que resultou na promoção por "bravura" dos 43 envolvidos na ação, incluindo os 28, dos 29 que participaram de seu fuzilamento.

"O subtítulo o coloca como o guerrilheiro que incendiou o mundo. Por que o mundo? Ele teve textos publicados por Jean Paul Sartre em sua revista, a Ação Libertadora Nacional (organização de resistência armada à ditadura militar liderada por Marighella) recebeu dinheiro do Godard. Quem pegou? Outro colaborador, o Glauber Rocha. Joan Miró doou desenhos para a ALN leiloar. Aí, a gente acredita que a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) analisou na época que, após a morte do Che Guevara, o sucessor dele como grande ideólogo dos movimentos contestatórios na América Latina foi o Marighella", elenca Mário Magalhães, dimensionando a força e influência que teve o personagem.

Encarada pelo jornalista como uma grande reportagem, a obra traz a história do guerrilheiro de forma romanceada, mesclando os rigores da apuração jornalística e acadêmica à literatura. "É legítimo amar o Marighella, é legítimo odiá-lo. O que é impossível é ficar indiferente à vida fascinante que ele teve. Tentei escrever o livro com o espírito que presidiu a vida dele. Uma vida de tirar o fôlego", coloca o pesquisador.

Pesquisa

Recontar esta história, revela o autor, foi um desafio que, de saída, esbarrou em duas frentes de obstáculos: o empenho de uma historiografia oficial em eliminar o personagem da memória nacional; e, na ponta oposta, o empenho do próprio em não deixar rastros. Foram 57 anos de vida, 33 deles filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), sete na cadeia e 19 na clandestinidade. A pesquisa se pautou em entrevistas com 256 pessoas (das quais, cerca de 30 já faleceram), consulta a documentos, alguns deles secretos, como destaca o autor, de arquivos públicos e privados na Rússia, República Tcheca, Estados Unidos, Paraguai e Brasil, além de mais de 600 obras.

"A contracapa do livro traz escritos cunhados a mão. Isso é uma autobiografia que o Marighella escreveu em Moscou em 1954", destaca Mário Magalhães, em alusão aos documentos inéditos incluídos na pesquisa. Outro exemplo, completa, é a prova de Física que o deu certa fama na Bahia durante a juventude após ser respondida inteiramente em versos. "A editora fez uma lista de, pelo menos, 87 furos jornalísticos dessa ´reportagem´ (o livro)", frisa.

Entre as muitas retificações propostas pelo livro à história de Marighella, ressalta Mário, estão desde referências ao local de seu nascimento, como às circunstâncias de sua morte. "Você vai ver a quantidade das infiltrações da Cia na ALN. Isso é documentado. Do início ao fim, há centenas de furos", pontua.

Cearenses

Outro dado destacado pelo autor sobre a trajetória narrada é a constante presença de cearenses, tanto entre os amigos do guerrilheiro, como entre os inimigos. "O maior inimigo político que ele teve foi o Juracy Magalhães, cearense que chegou à Bahia aos 26 anos como interventor de policia (na década de 1930). O Marighella chegou a fazer poemas satíricos para o Marechal Castelo Branco (primeiro presidente da ditadura militar)", ilustra.

Na ala dos aliados, estavam nomes como Dom Helder Câmara, a quem Marighela chegou a enviar uma carta pedindo colaboração, em 1969, também Dom Antônio Fragoso, e o Juiz Sílvio Mota, dirigente da ALN no Ceará.

Programação

Tanto Mário Magalhães como o juiz e aliado cearense de Marighella, Sílvio Mota, estarão presentes ao lançamento do livro no Centro Dragão do Mar. Na ocasião, será promovido um debate, às 19 horas, no Teatro Dragão do Mar, com participação do autor, o curador da exposição sobre Marighella, aberta hoje no Espaço Multiuso, Vladimir Sacchetta, e a cineasta Isa Ferraz, autora do documentário homônimo que será exibido, sexta-feira (23), também às 19 horas, no mesmo local. Toda a programação é gratuita.

Na próxima terça-feira, dia 27, às 15 horas, será lançado, no Complexo de Comissões Assembleia Legislativa, o livro "As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomás", do sociólogo e jornalista Renato Dias, sobre a vida da militante, morta em 1973, em Goiás, aos 25 anos de idade.
Ele foi o grande comandante da revolução

Entrevista com Sílvio Mota*

Como você avalia, quase cinco décadas após o golpe, a luta que vocês encabeçaram com Ação Libertadora Nacional e a atuação política de resistência do Marighella?

Olha, eu vou fazer até uma referência a meu amigo Franklin Martins. Ele dizia: "o Brasil está muito melhor do que era na nossa época. Nós não pudemos dizer que o que fizemos foi perdido. Nós lutamos pelo socialismo, uma coisa mais profunda do que o que foi conseguido. Mas se conseguimos a democracia, isso também não é coisa de se jogar fora". E o papel do Marighella, ele foi o grande comandante da revolução brasileira. Não apenas como pessoa, mas também como exemplo, pelo caminho que ele traçou. O caminho da coerência, do homem ser coerente com suas ideias. Ele era uma referência não só para a juventude. Ele tinha mais de 55 anos quando entrou nisso (na luta armada). Era uma referência para o povo brasileiro todo. Talvez, do velho Comitê Central do Partido Comunista, ele fosse o homem mais conhecido depois do Luiz Carlos Prestes.

Ele foi morto como inimigo do País. Como você avalia a imagem em geral que se tem dele?

Tem muita gente que odeia o Marighella. Esses devem odiar o povo brasileiro também. Mas eu tenho certeza que a figura dele ainda permanece viva na alma do povo. E nós, apesar de já estarmos mais velhos do que ele quando morreu, estamos fazendo de todo o possível para que o exemplo dele chegue às novas gerações e que não pereça jamais.

*Juiz e ex-guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional (ALN)

LIVRO

Marighella - O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo
Mário Magalhães
Companhia das Letras
2012, 732 páginas
R$ 56,50

Mais informações:

Lançamento do livro "Marighella - O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo". Amanhã, a partir das 19 horas no Teatro do Centro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81). Gratuito. Contato: (85) 3488.8600

FÁBIO MARQUESREPÓRTER
Diário do Nordeste

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