Nos últimos dois anos, nada menos que 23 importantes grifes internacionais abriram suas primeiras lojas no Brasil. Elas não estão aqui a passeio. Investiram milhões em lojas suntuosas, reduziram, em média, 20% de suas margens de lucro para enfrentar os impostos de importação que dobram os preços das peças e ganharam dos grandes centros comerciais de São Paulo,Brasília e Rio de Janeiro o privilégio de escolher os pontos que julgassem mais favoráveis à circulação de sua abastada clientela. Há duas semanas, a francesa Louis Vuitton, maior grife de luxo do mundo, abriu sua maior loja da América Latina no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. No dia 4 de dezembro, a marca italiana Valentino fará um desfile de alta-costura na Sala São Paulo com direito à presença de seus estilistas, Pier Paolo e Maria Grazia Chiuri. A loja de sua segunda linha, a Red, oferece vestidos a R$ 1.500, enquanto concorrentes brasileiras vendem modelos parecidos a preços 25% maiores. Como a moda nacional de alto padrão poderá sobreviver ao desembarque dos gringos?
A resposta começou a ser dada há duas semanas, com a antecipação, em dois meses, da temporada de inverno da São Paulo Fashion Week, a principal vitrine da moda brasileira. Até então, os desfiles aconteciam em janeiro, apenas 45 dias antes de as coleções chegarem às lojas, uma aberração do ponto de vista logístico. Caso as peças não fossem bem recebidas, viravam encalhe no estoque. “Por isso há tantos bazares no Brasil. É para desovar as roupas produzidas sem demanda”, diz o empresário Paulo Borges, autor da mudança de calendário e sócio da Luminosidade, organizadora da São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio. “Agora as marcas terão mais tempo de se organizar, de produzir e entregar as peças que o mercado deseja. Estimamos que isso melhore as vendas em, no mínimo, 20%.” A temporada de verão, que acontecia entre maio e junho, será antecipada. Os desfiles estão marcados para março de 2013.
O acerto do relógio exigiu um grande esforço das empresas. Quase metade das grifes pulou a estação por incapacidade de elaborar a coleção a tempo ou de investir num terceiro desfile em menos de um ano. Até gigantes do setor, como a grife Animale, se ausentaram. A São Paulo Fashion Week, que dura de cinco a seis dias, reduziu-se a três. O evento deixou o prédio da Bienal, onde acontece a Bienal de Arte, e se mudou para uma tenda improvisada no Parque Villa Lobos. Não se viram os lounges, as festas, as celebridades ou a distribuição de brindes. “No verão, tudo voltará ao normal”, afirma Borges. Nem todos estão felizes. Um empresário que ficou fora da Fashion Week reclama que as marcas estrangeiras pertencem a grandes grupos, que podem reduzir suas margens para ter competitividade. As nacionais, diz ele, são punidas pelo governo com impostos altíssimos e não têm condições financeiras para fazer grandes campanhas e anunciar em todas as revistas. “Vejo um futuro negro para nós”, afirma. “As pessoas hoje acham melhor comprar lá fora, por causa do preço.”
A passos largos dessa polêmica está a grife Osklen, que abriu a São Paulo Fashion Week dia 29 de outubro. Seu fundador, o gaúcho Oskar Metsavaht, anunciou no mês passado a venda de 30% da empresa ao grupo Alpargatas por um valor inicial de R$ 67,5 milhões. A fabricante de calçados, dona das marcas Havaianas e Topper, terá opção de comprar outros 30% da empresa no prazo de 60 dias. “Criaremos uma empresa com musculatura para ser um grande player internacional”, diz Metsavaht. Com 71 lojas, oito das quais fora do país, em cidades como Tóquio, Milão, Roma e Nova York, a Osklen se tornou, antes mesmo da venda, uma potência com valor de mercado estimado em R$ 500 milhões e faturamento anual em torno de R$ 150 milhões. “Como não tinha condições de concorrer com as grifes internacionais, me dediquei a criar um conceito de design e estilo de vida que traduzisse o Brasil para o mundo. Muitos colegas que começaram na mesma época que eu, infelizmente, fecharam as portas ou enfrentam dificuldades.”
O bom exemplo da Osklen põe por terra a tendência de vitimizar a indústria nacional e deixa claro que o desafio da moda brasileira vai além de um ajuste de calendário. É preciso reorganizar e fortalecer as associações, pressionar o governo a desonerar o setor, investir na qualificação de mão de obra para dar musculatura competitiva às marcas locais e enxugar a esquizofrenia desfileira de um país que tem 12 semanas de moda e um sem-número de salões de negócios desencontrados. É essa costura que dará o tom das próximas estações.
Revista Época
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