segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Testes identificam problemas que podem prejudicar a alfabetização


BOM ALUNO Angelus de Paula Silva e a fonoaudióloga Noemi Takiuchi. Aos 4 anos, ele tinha dificuldades de linguagem que não eram percebidas pelos pais. Hoje, aos 7, tira boas notas em leitura (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)O estudante Angelus de Paula Silva, de 7 anos, está completando o 2º ano do ensino fundamental, alfabetizado e com boas notas. Aos 4 anos, ele fora identificado como uma criança com alta probabilidade de ter problemas de leitura. Trocava o “c” pelo “t”, tinha dificuldades para repetir palavras e para reconhecer sons idênticos. “Não parecia que havia algo de errado com ele, jamais desconfiaria”, diz a mãe, Cristina. Angelus estudava numa escola que participou de um projeto pioneiro: o uso de testes em seus alunos de 4 anos para identificar problemas de linguagem que podem prejudicar a alfabetização. Antes que as dificuldades se manifestassem, Angelus treinou exercícios de rima, melhorou o vocabulário e aprendeu a separação silábica. Melhorou habilidades essenciais para um futuro bom leitor. “Parece estranho dizer que corrigimos um problema antes que ele pudesse acontecer, mas foi o que fizemos”, diz a fonoaudióloga Noemi Takiuchi, da Santa Casa de São Paulo.
Os testes feitos nessa escola infantil pública seguem uma linha de pesquisas científicas internacionais que prega a identificação precoce de problemas no aprendizado da leitura. De acordo com pesquisadores americanos e canadenses, crianças de 3 a 4 anos que não têm certas habilidades na fala podem ter problemas de alfabetização. Essas falhas podem ser detectadas, e tais habilidades, estimuladas para evitar dificuldades na fase de alfabetização, por volta dos 7 anos, e o consequente atraso escolar.
“Saber o mais cedo possível é um ganho para a criança”, afirma o fonoaudiólogo Joseph Torgesen, diretor do Centro de Pesquisas sobre Leitura da Flórida. Ele publicou no mês passado um artigo que reúne os principais avanços na identificação precoce de crianças com problemas de leitura. Em “Como recuperar as crianças antes que elas fracassem: identificação e avaliação para impedir falhas de leitura em crianças pequenas”, Torgesen afirma que mais de 30% das crianças que poderiam chegar aos 6 anos sem as condições necessárias para se alfabetizar, quando estimuladas corretamente, não apresentam as deficiências – e aprendem a ler sem sobressaltos.
O atraso na alfabetização é um dos maiores entraves para que os alunos tenham um bom desempenho na escola – e até na universidade. A relação entre a alfabetização difícil e o atraso escolar foi estudada pelo cientista americano Hugh Catts, da Universidade de Kansas, um dos primeiros a medir os efeitos da alfabetização na idade certa. Segundo ele, cerca de 40% das crianças que começam mal nas primeiras séries tendem a acumular perdas durante toda a trajetória acadêmica. Catts acompanhou a variação no desempenho de mais de 600 alunos durante o ensino fundamental. Notou que as crianças que se alfabetizam com desempenho abaixo da média raramente se tornam bons alunos no futuro. “Ajudar uma criança aos 5 anos é mais fácil, mais barato e mais eficiente que investir em reforço nos anos seguintes”, diz Catts. “É por isso que defendo a tese de que devemos investir no estímulo precoce.”
Catts desenvolveu os testes mais populares até agora. Sua metodologia é usada em algumas escolas da Flórida como parte de um projeto do governo americano. A meta é tornar os testes obrigatórios em todo o país nos próximos dois anos. Métodos semelhantes também são adotados em outros lugares do mundo. Desde o ano passado, a triagem tornou-se obrigatória em todas as escolas da Inglaterra. No Canadá, a aplicação dos testes precoces de s leitura é comum, e o governo planeja incluí-la na política pública de educação. No Brasil, ela começa a ser introduzida, de modo experimental, em algumas escolas. A metodologia adotada pela fonoaudióloga Noemi Takiuchi teve como base testes internacionais criados para identificar crianças com transtornos de aprendizado, como dislexia, e aquelas com baixo estímulo de desenvolvimento da linguagem oral em casa e na escola. O teste avalia a capacidade de definir objetos, rimar palavras, reconhecer sílabas idênticas e memorizar sons (leia o quadro abaixo).
A criação de testes como esses só foi possível porque, nos últimos 20 anos, as pesquisas em fonoaudiologia reuniram dados suficientes para mapear as habilidades para a leitura em idades precoces. Os pesquisadores já sabem o que esperar de crianças de 3, 4 e 5 anos. Em alguns casos, não sem muita polêmica, até de recém-nascidos. A psicóloga Victoria Molfese, especialista em desenvolvimento da educação infantil na Universidade de Nebraska, criou um método para identificar em bebês o risco de desenvolver dificuldades de leitura. Ela monitorou a atividade dos recém-nascidos e relacionou o tempo de resposta da atividade cerebral à probabilidade de ter ou não transtornos. Segundo ela, quanto mais tempo a criança demora para responder a sílabas simples, maior a probabilidade de ter problemas no futuro.
O uso dos testes para identificar as habilidades para a leitura em crianças de 4 anos não é isento de polêmicas. Seus defensores reconhecem que a ausência de certas habilidades não é determinante para que o aluno tenha dificuldades de alfabetização no futuro. Mas mesmo sem a precisão de um teste como o da orelhinha, feito em recém-nascidos para detectar problemas de audição, os exames de habilidade de leitura têm, no mínimo, o mérito de apontar as crianças em que o risco de problemas é maior e aquelas que aparentemente acompanham bem as aulas, mas têm dificuldades – o caso de Angelus.
As crianças com dificuldades para aprender a ler formam um grande grupo desamparado pelas políticas públicas de saúde e educação. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 7% da população mundial tem distúrbios na linguagem oral. Além do atraso escolar, crianças com problemas de leitura são mais propensas a abandonar os estudos. “Elas têm baixa autoestima”, diz Debora Befi Lopes, coordenadora do Departamento de Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.
Muitas razões podem levar ao fracasso na leitura. Além dos transtornos de aprendizado e dos distúrbios de leitura, desconhecidos de boa parte dos pais e professores, há a falta de estímulo na infância, um problema comum em famílias com baixo nível de educação formal. No Brasil, alguns Estados chegam a ter mais de 20% das crianças fora da educação infantil, de acordo com o Ministério da Educação. Outra causa comum do fracasso na leitura é o método de ensino falho. “Os professores não são formados para trabalhar com variações de metodologia e poucos se sentem responsáveis pelo fracasso dos alunos”, diz Monica Weinstein, diretora do Instituto ABCD, que trabalha com crianças com transtornos de aprendizagem. 
Revista Época

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