quinta-feira, 1 de novembro de 2012

No Ceará, Estado e prefeituras trabalham juntas para melhorar o ensino municipal


O PODER DAS LETRAS Mayra Alves da Silva na sua escola, em Horizonte, Ceará. As notas melhoraram depois que ela adquiriu o hábito da leitura (Foto: Jarbas Oliveira/ÉPOCA)A cearense Mayra Alves da Silva é uma garota de 14 anos apaixonada por livros. Lê dois títulos por mês. Diz que seu preferido é Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Duas vezes por semana, fora do horário de aula, ela vai à biblioteca da escola ler para turmas de crianças mais novas. “A leitura mudou minha vida”, diz. Filha de agricultores e aluna da rede municipal de Horizonte, interior do Estado, frequenta um clube de leitura promovido pela escola, situada no distrito de Queimadas, região mais pobre do município. “Antes do clube, não tinha interesse por nada relacionado à escola. Agora consigo entender melhor o que vem escrito nas lições e minhas notas melhoraram.”
O caso de Mayra e seus livros não é exceção em sua escola, nem em sua cidade e nem sequer em seu Estado. A ideia de que o domínio da leitura pelo aluno a partir dos 7 anos de idade é condição para que ele tenha sucesso em toda a sua trajetória escolar está disseminada pelas 184 redes de ensino municipais do Ceará. Faz parte de uma política pública de cooperação entre Estado e municípios adotada pelo Ceará, que começa a ter resultados concretos. O Ceará teve o maior avanço na qualidade da educaçãoentre todos os Estados brasileiros nos últimos anos. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) cearense passou de 3,2, em 2005, para 4,9, em 2011. Apesar de ainda estar abaixo da média brasileira (5 pontos), o resultado de 2011 é o maior do Nordeste e equivalente ao de Estados mais ricos do Sul e do Sudeste, como Rio de Janeiro e Espírito Santo.
O ponto de partida da virada no Ceará foi o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), adotado pela Secretaria Estadual de Educação como política pública em 2007. O Paic estabeleceu como prioridade a alfabetização de todos os alunos das escolas públicas até os 7 anos de idade (2º ano do ensino fundamental). O argumento é que, se a criança tem o domínio da leitura e da escrita até essa idade, ela terá mais chances de se sair bem em sua jornada escolar. Nenhuma revolução pedagógica até aqui. A questão da “idade certa” é até polêmica. Muitos especialistas discordam que a alfabetização deva ser feita nesse período. O que realmente fez diferença foi a parceria inédita entre Estado e municípios. “Trabalhar em cooperação cria condições mais igualitárias de oferta do ensino”, diz Sandra Zakia, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Há uma divisão territorial entre as redes municipais e estaduais em todo o Brasil. As cidades são as responsáveis pela educação do ensino fundamental, desde a alfabetização até o 9o ano. Os Estados, pelo ensino médio e, em alguns casos, pelos últimos anos do fundamental. Para que a melhora da educação aconteça de forma generalizada – e não pontualmente, em um ou outro município –, é preciso que medidas e ações sejam tomadas em grupo, colaborativamente. Esse é um princípio previsto na Constituição. Na prática, raríssimo. O que acaba acontecendo é uma disputa entre Estados e municípios pelo repasse de verbas federais.
É por isso que o Ceará é considerado pioneiro e pode servir de exemplo para o resto do país. Ao tornar a alfabetização uma prioridade do Estado, a Secretaria de Educação se colocou como corresponsável pelo aprendizado dos alunos das redes municipais. Com o cuidado de não se impor às prefeituras. “Somos seus parceiros, não seus superiores”, diz Maria Izolda de Arruda Coelho, secretária de Educação do Ceará. Todos os 184 municípios adotaram o regime de colaboração.
Como articulador do programa, o Estado não só estabeleceu o objetivo comum para todas as escolas municipais, mas também determinou como chegar lá. O modelo de gestão do aprendizado nos primeiros anos escolares foi elaborado pela secretaria estadual, que também assumiu a produção e o financiamento do material didático e o treinamento dos professores, coordenadores e diretores locais. Cabe ainda ao Estado avaliar os resultados do programa. Ao final de cada ano letivo, o governo aplica uma prova a todos os alunos de 2º ano para medir suas habilidades em leitura e escrita. “A grande vantagem do programa é ser uma política pública clara, bem definida, concreta”, afirma Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP.
EXEMPLO AIunos de escola municipal em Sobral. O modelo de sucesso da rede municipal de ensino  foi reproduzido em todo o Estado  (Foto: Jarbas Oliveira/ÉPOCA)

Para garantir a execução desse modelo de gestão em cada localidade, a secretaria estadual precisou se reestruturar. Criou um departamento para cuidar só do Paic. A Coordenadoria de Cooperação dos Municípios é o nível mais alto da hierarquia da secretaria, depois do gabinete. Ela orquestra o trabalho de profissionais exclusivos do Paic dentro de cada coordenadoria regional (por sua vez, responsável por um grupo de prefeituras). Dentro dos municípios, o Estado paga e treina um grupo de funcionários da rede local para garantir a aplicação do programa na ponta: as escolas. Há reuniões periódicas entre essas equipes para corrigir falhas de execução.
O esforço deu certo. Em 2004, 39% dos alunos de 7 anos eram analfabetos. Um terço deles lia com dificuldade e sem compreensão total da mensagem do texto. Apenas 15% eram considerados leitores hábeis, capazes de compreender um texto. Em 2011, 66% das crianças estão na última categoria.
Os números ruins da alfabetização no Ceará em 2004 estimularam o projeto-piloto do programa. Ele funcionou entre 2005 e 2006 em 56 municípios. Foi inspirado na experiência de Sobral, cidade do interior do Estado, que conseguira um avanço no aprendizado com as mesmas medidas adotadas posteriormente pelo Paic.
A mensagem
Para o Brasil
É possível conseguir melhorar a educação de um Estado todo se houver colaboração com os municípios
Para os eleitores
Para isso, Estados e municípios precisam superar as diferenças partidárias
 Há um fator decisivo para o sucesso do Ceará: continuidade da política educacional. O mesmo grupo político comanda o Estado desde 2006. Mesmo assim, a adesão das prefeituras acontece independente dos partidos. Maria Izolda conta que, nas eleições municipais de 2008, houve um momento de apreensão. “Muitas prefeituras mudaram. Havia um receio de que o novo prefeito desfizesse o acordo firmado pelo anterior.” Não houve desistências. “De alguma forma se disseminou pelo Estado a ideia de que a educação tem importância estratégica que está acima da política”, afirma Maria de Salete Silva, coordenadora de Educação do Unicef no Brasil. O Unicef, assim como outras instituições e o governo federal, ajudou a elaborar e a montar o Paic.
Há um incentivo extra: o governo do Ceará mudou o critério para o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado para os municípios. Agora, por lei, recebe mais dinheiro o município que apresentar as melhores taxas de alfabetização. O cuidado tomado pelo Estado para não favorecer um ou outro município é reconhecido pelos prefeitos. E o apoio na parte técnica é bem-vindo. “A ajuda para melhorar a capacidade de gestão dos diretores escolares foi fundamental para melhorar o resultado das escolas”, afirma Isaac Gomes da Silva Júnior, prefeito de Mauriti, a 491 quilômetros de Fortaleza.
Ainda há muito a fazer no Ceará. Apesar da melhora, existem quase 10 mil crianças não alfabetizadas ou com alfabetização incompleta no Estado. A condição socioeconômica desses alunos é uma barreira para dar educação de qualidade de forma justa para todos. Esse obstáculo ainda não foi vencido, mas a estratégia para chegar lá parece estar correta.
  

Revista Época

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